ARRANJO FAMILIAR
Oi! Meu nome é Karol.
Eu tenho doze anos e estou na 5ª série do Colégio Bernardo Vieira de Melo.
Na minha apostila de História de Pernambuco, tem a história dele. Ele foi a primeira pessoa a querer proclamar a independência do Brasil.
Foi assim: no dia 10 de novembro de 1710, no Senado de Olinda, seu Bernardo fez um discurso sugerindo que a capitania de Pernambuco se tornasse independente de Portugal, formando uma república, como Platão, o filósofo grego, tinha pensado. Por azar, poucos aceitaram a ideia. Ele foi denunciado, foi preso e foi levado para Portugal onde morreu na torre de Belém.
Eu não sei por que os livros de História do Brasil não dizem que ele foi a primeira pessoa nas Américas a querer fazer um país independente. Quando se fala em movimento para libertação, só se fala em Tiradentes.
Tia Lenita, minha professora, diz que isso é uma injustiça histórica.
Eu acho bonito esse nome – injustiça histórica.
Quando eu for presidente da república eu vou mandar botar o nome do seu Bernardo em todos os livros de História. Aí tia Lenita vai ficar contente.
Peraí que eu vou fazer xixi e volto logo...
Pronto! Alô! Hum! Eu pensei que você tinha desligado...
Bom, é assim, eu moro no edifício Moon River, que em inglês quer dizer rio de luar. Eu moro em três apartamentos. O da minha mãe, o do meu pai e o dos meus irmãos Luiz e Bernadete que agora ganharam um neném, Benjamim, que vai ser meu afilhado.
Sim, Luiz e Bernadete são meus irmãos, mas eles não são irmãos não. Deixe eu explicar.
Meus pais mais a minha madrinha, a tia Laura, eram colegas de turma. Meu pai casou com tia Laura e tiveram meus irmãos Luiz, Laís, Luzia e adotaram Liana. Minha mãe casou com Tio Thomas e tiveram meus irmãos Bernadete, Benício, Bartolomeu e adotaram meu irmão Bento.
Aí, meu pai se separou de Tia Laura e minha mãe se separou de Tio Thomas. Aí se casaram, foi aí que eu nasci.
Então eu tenho quatro irmãos por parte da minha mãe e quatro irmãos por parte do meu pai. Entendeu?
Na casa da minha mãe moram meus irmãos Benício, Bartolomeu e Bento que foi adotado quando era bem pequenininho porque a mãe dele deu ele de presente para minha mãe que fez o parto dele.
Ele é bem preto, muito diferente de todo mundo lá de casa.
É. Minha mãe é médica e trabalha na maternidade onde ele nasceu.
O nome da minha mãe é doutora Beatris, com S no fim.
Meu pai mora no apartamento dele com as minhas irmãs Laís, Luzia e Liana que também foi adotada quando ele era casado com minha madrinha, tia Laura.
Minha madrinha é médica em Caruaru e foi colega de turma dos meus pais, às vezes eu vou passar as férias com ela. Eu gosto muito porque ela me leva para a feira. Você conhece a feira de Caruaru? É a maior feira do mundo. Está no livro dos recordes, o Guinness book.
Não. Tio Thomas foi marido de minha mãe.
Ele é pastor Luterano.
Ele trabalha numa missão no Estado do Mato Grosso.
Quando chegar o natal desse ano, todo mundo vai se reunir na casa de vovó lá em Aldeia. A casa é muito grande, dá para todo mundo.
Ah! Sim. A terceira casa é o apartamento dos meus irmãos Luiz, por parte de pai e Bernadete, por parte de mãe, que fica no 8º andar.
É, moramos todos no mesmo prédio.
O andar do meu pai é o 2º, o da minha mãe é o 4º e dos meus irmãos é o 8º e eu tenho cama em todos eles para poder dormir sem incomodar ninguém.
É que às vezes eu mijo na cama, mas não é todo dia não.
Meus irmãos Bartolomeu, por parte de mãe, e Laís, por parte de pai, passaram um tempo namorando, mas parece que não deu certo porque eles acabaram o namoro e agora brigam toda vez que se encontram.
Eu não gosto de briga.
Meu irmão Benício, por parte de mãe, diz que brigar faz mal ao fígado. Ele deve saber o que está dizendo porque é cozinheiro chefe do restaurante “La Cuisine de France”.
Meu pai é médico de doido.
Os pacientes dele vão no consultório deitam no sofazão que tem lá e ficam um tempão falando besteiras e ele anotando na ficha.
Meu pai tem um armário de ferro cheio de fichas que só vive fechado de chave.
Uma vez, quando o armário estava aberto eu peguei um bocado de fichas para ler. Aí meu pai reclamou foi muito e me botou de castigo uma semana, sem vídeo game, para eu aprender a não mexer onde não devo.
Aí, quando foi no quarto dia eu prometi a meu pai que só mexeria nas coisas dele quando fosse um médico famoso como ele.
Aí ele me abraçou e disse que eu podia sair do castigo porque eu tinha aprendido a lição.
Eu gosto é muito quando meu pai me abraça.
Ele é grandão e eu me sinto bem pequeno quando ele me abraça com força, mas é sem me machucar.
Eu ainda não consigo juntar as mãos nas costas dele, mas quando eu puder vou dar um aperto até ele ficar sem fôlego. Nesse dia vamos rir é muito.
Eu morro de rir com as piadas que Liana, minha irmã por parte de pai, conta. Ela é muito engraçada.
Betina, é a empregada das três casas e vem nas segundas, nas quartas e nas sextas fazer as faxinas e cozinhar as comidas congeladas que a gente come durante a semana.
Quase todo domingo eu vou com a minha família toda para a churrascaria. É muito divertido.
Todo dia eu vou na padaria de seu Jorge, aquela que fica na praça, comprar o pão das três casas. É um quilo para a casa de mamãe, um quilo para a casa de meu pai e seis pães para casa de meus irmãos Bernadete e Luiz.
Aí, no sábado eu ganho R$ 15,00 pelo serviço e chamo Carol, minha colega de classe que mora no 1º andar para a gente ir na sorveteria de dona Margarida, tomar sorvete ou milk shake ou então comer cartola. Eu adoro cartola. Aquele açuquinha com canela é tudo.
Todo mundo diz que nós somos namorados, mas ela é só minha melhor amiga.
Ela é linda. Tem cabelos grandes e pele macia, mas é só minha amiga. O Carol dela é apelido de Carolina, o meu Karol é por causa do nome do papa e se escreve com K.
Todo mundo chateia a gente dizendo que vamos casar, mas ela é só amiga. Só amiga.
Eu vou desligar porque vou fazer xixi outra vez. Minha mãe disse que eu estou com cistite, aí me dá um remédio que eu fico o dia todo fazendo xixi vermelho...
(Continua em MEU DIÁRIO)
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Neste texto tentei reproduzir a maneira de falar e o comportamento sem reservas ou segredos dos pré-adolescentes, colegas da minha neta Mariana, que estão nessa faixa etária e com os quais eu tenho o privilégio de conversar.