O destino de Gertrudes - (Drama)

Gertrudes era uma égua jovem, com cerca de seis anos de idade, sofrida, trabalhadora e obediente. Seu dono, Seu João, é um homem simplório, rude e trabalhador. Semi-analfabeto, mal sabe assinar seu nome. Pai de família, juntou os trapos ainda jovem com sua namorada que na época estava grávida; ele com dezoito, ela com quinze. Após tantos anos juntos, sua família já interava dez filhos, o décimo primeiro estava a caminho. Sua única fonte de renda era o serviço de frete que fazia com sua carroça, carregando podas de arvores, entulhos e tudo mais o que lhe conviesse para quem lhe contratasse. E este ganha-pão dependia diretamente do auxilio prestado por sua égua Gertrudes.
As tardes de verão andavam quentes e os carretos estavam cada vez mais rareados. Seu ganha-pão estava minguando e, para piorar a situação, Gertrudes havia emprenhado.
Ele criava Gertrudes presa no cercadinho envolta do terreno onde construíra seu barraco. Um dia um dos filhos, sem querer, esqueceu a porteira do cercadinho aberta, e Gertrudes tratou de escapar. Dias depois ela foi encontrada livre e tranqüila pastando em um terreno baldio ao lado de um alazão forte e viril. Quando a encontraram, sua barriga já estava inchada.
Tempos depois ela pariu um lindo e saudável potrinho ali mesmo no cercadinho.
Seus filhos ficaram contentes, mas Seu João já tinha o destino do potro traçado em sua mente: assim que possível venderia a cria por alguns trocados para aumentar a renda da família.
Os dias eram cada vez mais quentes no barraco e sua família se encontrava faminta; há dias Seu João não arrumava serviço. Por sorte, uma obra necessitava se livrar de entulhos e seus serviços foram solicitados. Ele passou o valor do frete e tratou o serviço, pois precisava trabalhar.
Mas Gertrudes havia dado a luz há poucos dias, seu potro ainda era filhote e ela estava ainda muito fraca pelas forças do parto.
_ A égua ainda está fraca João, ela não vai agüentar! Alertou a mulher de Seu João, mas ele não queria saber.
_ To precisando trabalhar Maria, a égua vai ter que agüentar!
Seu João pegou a pacata égua, a atrelou a carroça e subiu em sua carroceria. Gertrudes, obediente, ao ver o chicote nas mãos de seu dono, apesar da fraqueza e das dores do parto, seguiu em frente, pois ela tinha que selar o seu destino.
Ao potro, deixaram uma vasilha de água e um amontoado de feno, caso lhe conviesse. E Gertrudes, para se poupar das chibatadas, seguiu o seu caminho.
Ao chegar ao destino do serviço, Seu João carregou a carroceria de entulho o quanto pode; assim terminaria o serviço mais rápido e economizaria as idas e vindas do caminho para o local de descarrego de entulho e lixo.
Gertrudes ia e vinha, cada vez mais arrastada, embaixo do sol escaldante. Mas Seu João não lhe dava trégua, ele tinha que continuar, tinha que concluir o serviço. Diante das tantas, Gertrudes começou a sangrar pelas entranhas, e já não agüentando mais, após o ultimo despejo de carreto, caiu no terreno ao lado do local de descarrego e ali mesmo desfaleceu. Por obediência ao seu dono, ela havia conseguido cumprir seu ultimo trabalho.
Desapontado, Seu João recolhe o dinheiro do serviço e segue até seu barraco. Ao abrir a porteira do cercadinho, avista o potro que jazia morto em cima do monte de feno. Sob o sol escaldante, a frágil criatura havia morrido de sede.
Na ausência da mãe e sem sua orientação, o potro, que ainda não desmamara, ainda não havia aprendido a beber água sozinho.
 

Karina Aldrighis
Enviado por Karina Aldrighis em 01/12/2010
Reeditado em 02/12/2010
Código do texto: T2648336
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