A fotógrafa de pombos
De dia, porque ela só fotografa de dia.
Para mim ela não tem mais o que aprender, mas insiste em fazer este tal curso de fotografia. O que parecia um hobby, hoje é quase um vício.
Vai sair? Não esqueça os documentos do carro, a carteira, o dinheiro... Que nada: ─ Minha câmera !!! ─ A mulher esbaforida grita num exagero que beira as raias da histeria!
De uns meses pra cá as luas cheias que tão lindas se apresentam no céu ao entardecer, as jangadas que tão imponentes se mostram como que para serem capturadas com suas suntuosas velas num átimo de um clique por seus olhos de lince que não deixam se quer escapar a nuvem mais “algodoada” do céu desta linda capital praiana, os tão ilustres sois deitando-se ao horizonte, famosos ocasos retratados com esmero por vezes escondidos atrás de palhas negras de coqueiros, o cotidiano da urbe e seus personagens anônimos no vai e vem dos sinais de trânsito, toda a beleza em “macro” e os detalhes das flores... As flores, ah, as flores, tão belas em seus ipês roxo ou amarelo (que diferença faz). Apenas beleza e arte de fotografar. Até mesmo os pequeninos pássaros, cederam, por livre e espontânea pressão, lugar aos pombos.
Sim, pombos.
Aquelas criaturas cheias de pulgas que levam a vida de um lugar ao outro nos telhados, fazendo ninhos, procriando desesperadamente, como se o mundo fosse sentir sua falta se não existissem o suficiente para as famosas revoadas de praças públicas.
Ora pombos.
Eu corro a léguas de distância de um. Penso em todas as pulgas que eles soltam quando batem as azas. Se pressinto ao menos a iminência de um destes bichos acima de mim, imagino todas aquelas pulgas caindo no meu cabelo. É, eu sei, é exagero, mas não consigo pensar diferente.
Voltando à fotógrafa, o vício chega às raias da loucura, como já havia mencionado. Capaz de ela passar horas debruçada em seu janelão de apartamento apenas observando o vai vem do casal de pombos (um branco e um preto, onde ela jura de pé junto que o branco é fêmea e o preto é macho pelas razões que ela tem e que eu desconheço). Até sapoti no janelão ela já colocou, para atraí-los.
Mas não foi por causa do sapoti que um dia, sem que ela desse conta, o tal casal de pombos resolveu dar o ar da graça, na hora do almoço, no janelão do apartamento. A mulher, com a faca e o garfo em mãos, viu-se enfim, com a faca e o queijo na mão. Claro que a câmera estava no alcance de um clic. As fotos foram tiradas e o almoço esquecido por hora.
A meta da fotógrafa de pombos agora é a foto ideal: aquela em que o pombo branco (a fêmea, no caso, como ela apregoa) está em pleno exercício de jogar pulgas encima de quem estiver, claro, abaixo dela: de asas abertas em pleno vôo. Assim, a retratista vem levando as folgas dos seus tão cansativos dias de trabalho e os intervalos de fim de semana, quando aproveita um momento em que a respectiva pessoa por quem nutre afeto não está requisitando atenção e corre para o janelão.
Certo dia, deu-se que os tais pombos não estavam nos telhados à vista da fotógrafa. E eu, de tão envolvida, assim como por livre e espontânea pressão, passei a me perguntar:
Os pombos migram?