HENRIQUE
A chuva antes tempestuosa, agora caía mansamente sobre a pequena cidade. A viatura policial a pouco desligara suas sirenes e se afastara para dar lugar ao rabecão que tentava abrir passagem em meio à multidão que se aglomerava em volta do corpo estendido.Dentre a multidão estava Antonio Augusto com o olhar atônito, sem querer crer que ali estirado no chão molhado e empapado de sangue, estava Henrique. Corpo seminu, braços abertos em cruz.Sua cabeça jazia no colo de Rute que afagava-lhe os cabelos loiros enquanto chorava em silencio. Ao erguer a cabeça seu olhar cruzou com o de Antonio Augusto. Ao ver o sofrimento refletido naquele rosto, seus lábios se entreabriram, mas não saiu som algum. A dor daquela alma dilacerada se externava em forma de lagrimas doloridas que rolavam abundantes pela sua face . Do peito nu , filetes de sangue escorriam dos pequenos orifícios e misturando à enxurrada formava aos pés de Antonio Augusto um minúsculo riacho de cor vermelho – escuro. Aquele liquido viscoso contrastava com o tênis claro que calçava -lhe os pés. Mudaram para a capital quando tinha 13 anos. Os irmãos mais velhos iriam fazer faculdade. Reencontrar parentes e amigos era uma felicidade. Encontrar Henrique- era sinônimo de liberdade.Quando se vive em uma cidade grande a vida é sempre corrida e agitada.A vida parecia não mudar muito na tranqüila cidade. Os dois amigos soltavam pipas em terrenos baldios ou no largo da velha igreja como nos velhos tempos.Subiam em arvores para degustar de seus frutos saborosos. No final da tarde tomavam banho de córrego para aliviar o calor que lhes afogueavam seus corpos quase sempre seminus. Quando Antônio Augusto retornava para casa levava dentro de si um sentimento de saudade precoce , mas havia sempre a promessa de um breve retorno. .Mas com o passar do tempo inevitavelmente vem as mudanças.Quando terminava o segundo grau, Antonio Augusto conheceu Isabella. Menina moça que apesar de preferir tênis, vestir calça comprida e usar um boné onde pelo furo passava o cabelo loiro formando um rabo-de-galo,tinha um corpo esguio. Seus olhos azuis estavam sempre brilhantes,de seus lábios finos e bem torneados trazia sempre um sorriso encantador. Sua beleza fez bater descompassado o coração daquele jovem que aos 18 anos já era um belo rapaz de sorriso franco e olhar expressivo. Tempos depois se tornaram marido e mulher e pais de Ana Carolina. A Faculdade de Arquitetura monopolizava o seu tempo.Passou a falar com Henrique mais por telefone. Certa vez percebera que o amigo estava um tanto estranho.Passou a não atender seus telefonemas nem tão pouco o visitava. Um dia um telefonema de Rute informara que o filho estava preso. Por sorte era feriado prolongado. Antonio Augusto ao chegar na casa do amigo, no lugar da alegria que sempre presenciara no rosto da bondosa Rute encontrara um semblante triste , um rosto envelhecido e preocupado. Henrique andava agora em más companhia a mãe aflita relatara o comportamento estranho do filho.”__Bebia muito e fumava...e quem sabe outras coisas mais.Meu Deus!__”Contava dona Rute com voz embargada.Queria uma pinga fiado, como o dono recusou quis quebrar coisas do bar, e então fora preso. Antonio Augusto pagou a fiança. Ao encontrá-lo , pode constatar a veracidade das palavras da pobre mulher. Sentiu um aperto em seu coração. Falar com Henrique sobre em que ele estava se metendo era como falar ao vento.Na ultima vez que o encontrou, conheceu Henrique Junior filho dele e Melissa que a pouco havia morrido de overdose.Advertiu-o mais uma vez. Falou-lhe do filho que precisaria dele. Rute, a pobre viúva não teria condições de cuidar do neto nem tão pouco custear as necessidades que requer uma criança. “Talvez se internasse...” “ele daria todo apoio”. Pensou. Quando tentou tocar no assunto a expressão de Henrique anuviou- se. Antonio Augusto percebeu o espírito perturbado do amigo .Ergueu os olhos um tanto vermelhos, e com sorriso sarcástico disse: “__para você deixo de lembrança minha mãe e Henrique Junior__” Soltou uma baforada de fumaça fétida de cigarro barato no rosto de Antonio Augusto. Sob o olhar triste do amigo e da mãe , subiu a rua onde por tantas vezes brincaram,rua que logo depois seria palco de sua morte.Magro,cabeludo,roupas sujas e com forte odor de cachaça, cambaleante,dobrou a esquina.O menino que tinha um sorriso tranqüilo e largo havia sido engolido pela maldição das drogas. Abraçados Antonio Augusto e Rute compartilharam lagrimas de tristeza e dor. A mulher forte que criara o filho sozinha desde a morte do marido e que .incansável fizera tudo pelo filho...o amor não lhe faltara...”__onde errara?”_Essa pergunta atormentava-lhe a alma.Ali sentada no chão com a roupa molhada de lama e sangue acariciava o rosto do filho já coberto com a mascara da morte. Não tinha forças para criar o neto que já estava com quase dois anos.Naquele dia fatídico Antonio Augusto viera ate a sua cidade natal no intuito de mais uma vez convencer o amigo a se internar. Mas antes que isso pudesse acontecer, alguém cobrara de Henrique uma divida que ele pagara com a vida. Uma semana depois do sepultamento, na sala da casa de Antonio Augusto pessoas queridas cercavam Rute de carinho tentando amenizar um pouco sua dor. Num quarto enfeitado com motivos infantis duas crianças em seus respectivos berços ressonavam tranquilamente.