Metamorfose
Naquela noite, resolvi de última hora que não iria acompanhar meus colegas de sala de aula até a praia. Aleguei que estava fadigado. Descer a serra não estava sendo no momento o que eu esperava de um programa de final de semana.
Todos ficaram putos com a minha postura, mas relevaram, afinal de contas, eles já me tratavam como café com leite, ou seja, alguém pra não se levar a sério.
Ao vê-los se distanciar dentro do pau velho do Marcelo, saquei da mochila o que seria meu companheiro de final de semana, me refiro à obra prima do Franz Kafka intitulada Metamorfose.
Tomei a decisão de iniciar a leitura me regando de umas cervejas e me dirigi a uma choperia de costume. Chegando lá uma garçonete veio me atender. Mas não era uma garçonete qualquer. Ela tinha um Q a mais do que as outras. Um Q de feiúra. Era uma espécie de Macabéia da Clarice Lispector, mas elevada ao cubo. Com certeza São Jorge tremeria ao vê-la.
Perguntei a ela:
— A Lúcia está de folga?
— Não, ela foi dispensada, me contrataram para seu lugar.
Não pude acreditar. A Lúcia era um filezinho, uma doçura. Era burrinha igual a uma porta, mas tinha carisma.
— Seja bem vinda então – Disse isso me sentindo o cara mais cínico da face da terra.
— Obrigada, meu nome é Floresbela, mas pode me chamar de Flor e o seu?
— O meu é Custódio, mas não dá pra abreviar igual ao seu.
Ela deu uma gargalhada e notei que ao menos não era tão desprovida de neurônios como a Lúcia e era bem carismática. Mas a natureza havia sido implacável com ela.
Ao chegar a cerveja e a dose de uísque que eu havia pedido, mergulhei fundo na leitura do Metamorfose e quando dei por mim o recinto já estava com as portas baixadas pelo meio e minha mesa repleta de garrafas de cerveja e copos de uísques. Após essa constatação, tentei retornar a leitura, mas as linhas da página já estavam se entrelaçando e a solução foi dar por encerrada a leitura.
Quando a Flor se aproximou para me alertar que o bar já estava fechando, fiquei a observando com a boca aberta de perplexidade.
Ela notando meu espanto me perguntou:
—O que foi?
—Nada, só estava te olhando.
Naquele instante eu presenciava uma metamorfose.
A flor não era de se jogar fora, na verdade era uma tchutchuca, quase uma miss.