VIDAS NO OUTONO
Genésio estava sentado no ponto de ônibus quando ela passou. Era outono e o dia recebia uma claridade confusa misturada a um hálito invernal. Não se ouvia canto de pássaros. Só mesmo o ruído dos carros. Tudo estava estranhamente belo e sóbrio. Podia se dizer que era um dia triste. Ele era professor e havia cumprido o primeiro turno do dia na escola que ele mesmo um dia estudou. Sabia que não podia ter outra profissão senão a que exercia. Haviam sido quase quatro anos de estudos puxados para que pudesse se formar e mais um processo burocrático enorme para poder entrar em sala de aula e fazer o que gostava. Ela – como se chamava mesmo? – havia sido sua aluna dois anos atrás e agora passava na sua frente empurrando um carrinho de bebê.
_ Oi, professor. – disse e sua voz carregava um misto de vergonha e decepção. Ele notou que a criança não tinha a cor da mãe.
_ Oi, menina. – respondeu assim porque não conseguiu lembrar seu nome. Afinal, eles são tantos, e só nessa escola lecionava em seis classes. Mas lembrava de como ela tentava se destacar dos demais: bagunças, desrespeitos, brigas. Certa vez o xingou, e nem assim ele a levou à direção. No fundo ele sabia que ela não falara por mal, só queria descarregar toda energia negativa que trazia da sua própria casa e ele era a vítima da vez. Agora, lá ia. Certamente não havia completado 14 anos ainda e já era mais um número acrescentado ao percentual de mães adolescentes solteiras. De repente uma leve brisa soprou tornando o dia mais agradável e trouxe consigo um cheiro de paz e algumas pequenas folhas. Genésio, observando sua ex-aluna, não percebeu, mas desejou que ela tivesse sorte e que soubesse educar seu rebento. Um barulho mais forte de um motor logo chamou sua atenção. Era sua condução. Entrou no ônibus e agora seu foco era outro: 40 minutos até a outra escola, mais duas aulas e então poderia ir para casa descansar. Decidiu corrigir algumas provas para adiantar o trabalho. Tinha tempo de sobra até desembarcar e nem percebeu quando o motorista, dirigindo em alta velocidade, desviou para não atropelar aquela “mulher” com carrinho de bebê. Ela – qual o seu nome? – se recuperando do susto, ajeitava sua criança enquanto ouvia alguns transeuntes chamá-la de louca e irresponsável.
_ Aonde já se viu uma pessoa tão desajuizada desse jeito? – falou uma senhora – Quase se mata e ao filho também. Agora, afoita, só pensava em ir pra casa e escapar da vergonha a qual encontrava-se submetida, e assim o fez. No trajeto, um turbilhão de pensamentos acerca de sua vida fez com que dissesse um palavrão em voz alta e sua fala assustou seu filho, que imediatamente chorou. Ela, então, pegou-o no colo, apertou-o contra seu corpo, acariciou sua face e desejou em seu coração que ele tivesse um destino melhor do que o seu. Que talvez pudesse ser professor, mas um professor de verdade e não como o professor Genésio, que era chato e não sabia ensinar.
_ Professorzinho de merda! Só dava nota ruim e vivia pegando no meu pé. – pensou.
E novamente o vento soprou com suavidade e, além das folhas, levou consigo um cheiro de paz. Só que ela também não percebeu, pois seu ressentimento era maior e seu filho não parava de chorar.
Primavera/2009