E... AGORA, JESUS?

Djanira Stérni

O silêncio imperava ao seu redor e ainda não eram onze horas de uma noite de verão, até os cachorros da rua, acostumados a latir para as suas próprias sombras, estavam quietos. Jesus estranhou esta quietude enquanto andava pelas ruas da favela onde morava.

Portas trancadas, janelas fechadas. Onde estava todo o mundo?

Devia ter notado antes, pensou, olhando ao redor e sentindo-se sozinho no mundo. Estava distraído pensando nas palavras do pastor – “todos devemos temer a Deus e fazer sua vontade, pois ele ama igualmente a todos os seus filhos” – Uma ova! Deus se esquecera dele, seu xará. Sua mãe era a grande culpada por ter lhe colocado este nome ridículo. Pensou ter escutado a voz da mãe – Não blasfeme meu filho, pois Deus está vendo – Perdão, perdão! Pediu mentalmente. Outro pensamento – Também porque o senhor tem que ouvir e ver tudo! – Seu bisbilhoteiro vingativo! Perdão. Pediu novamente. Seus pensamentos estavam fugindo do seu controle, inclusive estava com medo deles naquela noite. Seu dia tinha sido difícil e o encontro religioso não o havia consolado.

Estava cansado de esperar. Esperar que a pouca comida alimentasse a todos, que as roupas dos vizinhos deixassem de servir para ser doadas para eles, esperar para usar o banheiro, esperar o ônibus, que estava sempre atrasado, para chegar ao seu emprego. Emprego? Um subemprego que consistia em ficar esperando a deixa para descarregar caminhão de hortifrutigranjeiros e ganhar alguns trocados. Não eram lá grandes coisas, mas junto vinham alguns restos de frutas e legumes que sua mãe esperava com ansiedade. Esperar a vida melhorar e ao mesmo tempo continuar tendo fé em Deus e todas as maravilhas que ele reservava para seus filhos era uma árdua missão. Sofrer conformado todas as adversidades, dar a outra face para bater, amar a todos acima de si mesmo. Será que não era um pouco demais?

Sua mãe, uma prostituta arrependida, que ao engravidar e desconhecer o pai da criança decidiu ficar carola e, Deus que a perdoasse, se achar parecida com a mãe do redentor, mas não ficou só nisso, dona Joana da Encarnação resolveu dar o nome de Jesus José de Deus para seu filho. Que belo nome! A santíssima trindade em peso. Conseguiu um marido temente a Deus e tiveram mais três filhos, todos com nome de santos.

Jesus não podia reclamar de nada, não devia brigar na escola e agradecer por tudo para todos, pedir desculpas sempre. Chegou a pedir desculpas por estar vivo e respirar.

Um vulto branco, contrastando com a noite. Era o alemão. Albino com os olhos avermelhados e cara de mau, braço direito do Jujuba, chefe do tráfico no morro. Estava indo em direção à mercearia do seu Ananias. O que será que ele estava tramando? Com certeza não era boa coisa, considerando o fato de que o comerciante havia chamado a polícia e acusado o bando do assalto ao seu estabelecimento.

Lembrou da velha Judite que havia servido de testemunha contra um dos integrantes do bando e logo em seguida fora encontrada morta, amordaçada e nua, violentada com um pau e com a cabeça esmagada. Um aviso, provavelmente. Os culpados não foram achados, pois ninguém havia visto ou escutado nada. Ninguém acusou o alemão, mas muitos o tinham visto entrar na casa da vítima.

Mais um entre tantos crimes sem solução.

O alemão era mau! Mau como o diabo! Jesus se benzeu.

Seu Ananias quando chegou ao bairro abriu um pequeno boteco com alguns gêneros de primeira necessidade. Sorria para todos, roubava no peso e puxava o saco do Jujuba e seu bando, pagando até para que seus homens fizessem a segurança do seu negócio que começou a prosperar tornando-se um mercado de tamanho considerável. Tinha, agora, casas alugadas e uma oficina mecânica.

É, seu Ananias tornara-se ambicioso e vaidoso, começou a ficar amigo de policiais e rejeitar as amizades antigas.

Porque será que seu mercado tinha sido roubado? Porque ele não ficou calado? Será que tinha a pretensão de ser mais forte que o Jujuba?

Uma tristeza profunda assolou o coração de Jesus ao lembrar-se da família do seu Ananias, principalmente de sua filha Joana, de desseseis anos. Garota bonita que provocava olhares lascivos de todos, inclusive do alemão. Que Deus a protegesse!

E agora Jesus? Vamos fazer jus ao seu nome?

Sem perceber foi andando de ré, quando chegou a uma distância considerável virou-se e apertou o passo. Sua vontade era correr, mas não queria chamar a atenção sobre si. Cruzou com um carro de polícia pelo caminho e olhou para o outro lado.

Que Deus cuidasse de suas criaturas. Porque ele, Jesus, estava fora!

Djanira Stérni
Enviado por Djanira Stérni em 24/11/2010
Código do texto: T2634175