A BONECA FEIA

Em mês de Julho, dos anos setenta, estanciei numa cidadezinha do interior. Burgo antigo, cheio de tradições, de ruas estreitas e reduzido comércio. Por razões, que não devo esclarecer, não revelo nomes, já que os intervenientes pertencem a famílias conhecidas.

Na modesta pensão em que me hospedei encontrei jovem de vinte e poucos anos, que viera em busca de menina, que o havia fascinado.

Na verdade, e é isso que devo ao leitor, o moço não andava fascinado: mas encantado, e fervia de paixão.

Conheceu-a em menina; e a moça lançava-lhe ternos olhares e meneios, que frecharam-lhe o coração com flechas de Cupido.

No andar dos anos, o rapaz desvelava noites a fio, absorvido numa paixão delirante. Crescera a moça e desmudara atitude; mas o jovem, fantasiando, declarava, para quem o queria ouvir, que a menina mostrava apenas o pejo próprio da adolescência.

Terminado o ano escolar, o rapaz visitava a cidadezinha, na esperança de a ver, mas a moça esquivava-se, dando mostras de enfado, refugiando-se em locais inacessíveis ao enamorado.

Certos serão, quando tomávamos o cafezinho, confessou-me, com os olhos saltando de júbilo: que de tempo a tempo recebia correspondência, onde a prima - pois era sua prima, - nas entrelinhas, parecia mostrar afecto, e isso bastava para o animar.

A exemplo de anos anteriores, lá estava pensativo na pensão. Desta vez ,segundo declarou, gostaria de presenteá-la, mas por mais voltas desse ao bestunto nada o contentava.

Sugeri-lhe o “chorão”, que estava em voga.

A ideia foi bem aceite e pouco depois, o jovem. Percorria pressuroso as livrarias, em busca de “chorões”; mas, por mais que os procurasse não os havia. Após ter visitado as lojas, não encontrou outro remédio, senão comprar boneca que se impunha pelo tamanho e feieza.

Mostrou-ma desolado, enquanto jantávamos. Era deselegante, de feições grosseiras e hirta como pau.

Animei-o, dizendo-lhe que talvez a jovem gostasse, e ele respondeu-me, quase chorando de arrependimento por não ter trazido da sua terra o gracioso “chorão”: - Que fazer?, se nem bazares há nesta localidade!

No dia imediato bateu temeroso à porta da moça. A mãe recebeu-o afectuosamente e apontando para o mamarracho, interrogou-o

- Para quem é a boneca?!

Tartamudeando de vergonha - segundo me contou, - disse que era para a….

Esclareço que a mãe da moça nunca se apercebeu do intento do primo pela filha, talvez devido à diferença de idade ou sempre soube dissimular, como progenitora prudente que era.

Nesse mesmo dia o hospede corrido de pejo, despediu-se e partiu no primeiro comboio da manhã, declarando-me que não mais voltaria, a não ser que a prima assim lho solicitasse.

Nunca mais soube desses amores secretos e platónicos, mas jamais o esqueço, porque nunca conheci amor tão sincero e puro.

Será que a moça teve outro tão puro? Creio bem que não: porque em matéria de amores são raros os verdadeiros, e como diz o povo: não há igual ao primeiro.

Humberto Pinho da Silva
Enviado por Humberto Pinho da Silva em 23/11/2010
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