Quando a esmola é muita, o dinheiro deve ser roubado

Maria Helena tinha super poderes. Na verdade ela não tinha super poderes, tinha um super poder só: fazer clones dela mesma. De alguma maneira que a ciência não explica e eu vou explicar menos ainda, ela podia fazer vários clones dela mesma, e eles agiam de forma independente um do outro, mas todos controlados por ela. Na verdade não eram clones, eram várias dela mesma. Todas eram ela. Ela era todas elas. Entenderam?

Mas Maria Helena não era uma super heroína. Ela só era uma pessoal normal – advogada, a bem da verdade – que tinha um poder especial. Ela não tentava mudar o mundo nem combatia o mal. Ela resolvia problemas trabalhistas como indenizações, demissões e essas chatices. Mas ela tinha esse poder. Ela sempre usou seu poder de forma comedida e discreta, tanto que nenhum dos seus ex-namorados soube do seu segredo.

Até que ela conheceu Joel, e eles ficaram noivos e se casaram. Um dia, depois do trabalho, ela resolveu contar a verdade ao seu futuro marido. Ele ficou atônito, não entendeu direito, mas se você é homem você sabe muito bem qual foi a primeira coisa que veio à cabeça dele. E no começo era sensacional: ele ficava em casa com Maria Helena enquanto um clone dela fazia comprar no Shopping. Maria Helena usava clones para pagar contas durante o dia, para preparar a janta de Joel antes de ele chegar do trabalho e coisas do gênero. Até que um dia tudo mudo.

Um belo dia Joel chegou em casa e, como encontrasse sua mulher de avental, calcinha e blusinha transparente, decidiu cumprir naquele exato momento suas obrigações maritais. Depois de meia hora de trabalhos iniciados, toca o telefone e Joel atende. Era Maria Helena. Ela ligara para avisar que iria passar no mercado para fazer compras, e que ia demorar um pouco. Enquanto falava com Maria Helena ao telefone e Maria Helena beijava seu corpo e falava ao seu ouvido coisas que fariam o Millôr corar, Joel se sentiu um pouco mal. Ele estava falando com a esposa ao telefone e havia outra mulher em sua cama. Ou ele estava com a sua mulher na cama e falando com outra, tanto faz. Pela primeira vez, Joel não estava confortável com aquela estória de clones...

Quando Maria Helena chegou em casa, perguntou se ele havia se divertido com a outra Maria Helena. Constrangido, Joel lhe explicou a situação. Não era confortável ele estar fazendo sexo com uma mulher e falar com a esposa ao telefone, ainda que elas fossem a mesma pessoa. Maria Helena explicou a ele que as duas eram ela, que ela tinha consciência de tudo. Mas mesmo assim Joel não se sentia confortável. Foram dormir e Joel não parava de pensar naquilo.

No sábado era aniversário de casamento deles. Joel acordou Maria Helena com café na cama, e aquela manhã foi recheada de sexo, daqueles que um casal só faz em aniversários. Na hora do almoço, Maria Helena se levantou para tomar banho. Trinta segundo depois Maria Helena entrou no quarto, arrumada. Joel se surpreendeu por ela ter tomado banho tão rápido, mas Maria Helena explicou que havia saído cedo para ir ao médico e deixara um clone para comemorar com ele. Foi o fim da picada. Joel ficou furiosíssimo. Como ela podia deixar um clone para comemorar com ele o aniversário de casamento? Não importava se era ela, o que importava é que não era ela! Ela estava no médico, e não com ele na cama!

Depois daquela noite o casamento deles não foi mais o mesmo e, depois de algumas semanas, chegou ao fim. Joel não conseguia conviver com uma mulher que era várias mulheres, e Maria Helena não conseguia conviver com um sujeito que ficava culpado achando que estava traindo a mulher com ela mesma. Se separaram amigavelmente. Joel ficou tristíssimo. Maria Helena ficou decepcionada. Com tantos homens no mundo com a fantasia de transar com duas mulheres, ela havia encontrado um que não gostava muito da idéia se as duas fossem a mesma mulher.

Meses depois, sozinho em seu apartamento, Joel não conseguia entender. Ele havia se apaixonado por um dos clones e se sentia, ao mesmo tempo, culpado e precisando de tratamento psiquiátrico. Mas ele tinha quase certeza de que, em alguns momentos, o clone era mais carinhoso. Quase certeza.

Dias antes, Maria Helena enxugava o cabelo em seu quarto, quando Maria Helena entrou. Na verdade, a que enxugava os cabelos era Maria Helena, e a outra era Maria Cristina, sua irmã gêmea. Elas não conseguiam entender o que havia dado errado! A parte mais difícil, convencer Joel de que aquilo era um super poder, elas haviam conseguido. Mas na parte mais fácil, de poder transar com duas mulheres – A MESMA – ele não havia aceitado. Elas não conseguiam entender. Elas eram muito ciumentas e não conseguiam ter relacionamentos sem que a outra se apaixonasse pelo namorado da uma. Então decidiram inventar a estória do poder, para poder dividir o marido. Elas eram idênticas em tudo: aparência, gostos, roupas, cheiro, modo de andar e falar. Tudo. Mas elas encontraram, na opinião delas, o único homem do mundo que não gostou da idéia de ter, legalmente e com consentimento, várias mulheres, mesmo que elas fossem a mesma.

E Joel tinha certeza quase absoluta de que um clone havia feito cafuné nele durante a transa. Maria Helena nunca fazia cafuné. E enquanto Maria Helena pensava no que podia ter dado errado, Maria Cristina estava pensativa, passando a mão pelos próprios cabelos, com o olhar perdido.