Um despertar diferente!
Fazia frio naquela manhã. O cheiro de terra molhada entrava pela brecha da porta. Cinco crianças enroladas em cobertores dormiam tranqüilas em suas pequenas e frágeis camas. Do lado de fora, podia-se ver nas folhas das árvores respingos do orvalho. Alguns animais saiam de suas tocas a procura de comida. No pequeno pomar uma goiabeira mostrava seus frutos amadurecidos. Mas adiante dona Maria cultivava uma horta com alface, agrião, cheiro verde e cebolinha. As folhas da bertalha cresciam nas madeiras que cercava o quintal, formando um imenso muro verde.
Mas um dia comum para aqueles moleques que abriam os olhos, esfregavam as mãos para afugentar o frio e se espreguiçavam alongando os braços finos. Os mais velhos já tinham em mente as obrigações diárias: regar a horta, recolher o milho que crescia, ou qualquer outra fruta que estivesse pronta para comer. As meninas limpavam o jardim, recolhiam as folhas que caiam das árvores e arrancavam com as próprias mãos, as ervas daninhas que nasciam para tirar a beleza do jardim.
A casa não era grande e ainda havia cômodos em construção. A parte antiga já mostrava nos tijolos a amostra, que o embolso estava se deteriorando. Mas em pouco tempo tio Esídio que se considerava um ótimo pedreiro, daria um jeito em tudo aquilo.
O sol escondido atrás dos galhos do abacateiro penetrava timidamente pela brecha de janela de madeira. Mas aquele raiozinho insistia em cobrir o rosto de Joel. Não tinha jeito, era hora de levantar. O banho frio terminava a tarefa de espantar a preguiça.
Na cozinha podiam-se ouvir os passos de dona Maria arrastando o chinelo velho no chão. Aquela boa senhora já beirava os quarenta anos. Mas que barulheira! Ela abria e fechava as portas do armário de ferro, tirando xícaras e copos, talheres e panelas. O pão quente saía do forno deixando do ar um cheiro gostoso que trazia todos os moradores para a cozinha. O café fumegava no fogo e depois era distribuído nas canequinhas com um pedaço do pão e uma travessa de angu.
Todos sentados em volta da mesa davam as mãos para a primeira oração do dia, dando graças pela refeição. O pai estava longe, navegando em alto mar. Um olhar de dona Maria era o suficiente para manter os filhos quietos. As meninas Dorcas e Marlene eram gêmeas, tinham sete anos. Mesmo no período das aulas cada filho tinha suas obrigações dentro e fora de casa. Quando seu José chegava de viagem trazia alimento e presentes. Não era de paparicar os filhos, mas era um bom pai. Enérgico, muitas vezes batia em Miguel, o filho mais velho.
Tio Ezídio chegou da rua naquela tarde e trouxe uma surpresa para os meninos. Era um papagaio. Tagarela! Daquele dia em diante tudo passou a ser diferente. Não é que o bicho aprendia tudo gente falava! E repetia!
Aos primeiros raios do sol aquela voz aguçada, que já fazia parte da rotina do dia a dia, quebrava o silêncio da casa, tagarelando sem parar:
- Acorda dona Maria! Quero café! Quero café! Dona Maria! “Foi na cruz, foi na cruz, onde um dia eu vi... “
Assim era o dia a dia da família Vaz lá trás no tempo, nos anos 50.