A MENTIRA VERDADEIRA

A MENTIRA VERDADEIRA

(baseada em fatos)

Reza a lenda que ele era um garanhão. Casado, bem casado, diga-se, filhos, família, mas não podia ver um belo rabo de saia que já se perdia todo. Até que acalmou o facho, mas, por hábito, ficou tentando, tentando, tentando a única garota que, no conceito dele, tinha resistido demais, tempo demais mesmo, a ele.

Agora já se tratava realmente de um hábito. Há mais ou menos cinco anos, Jorge, o Fogoso, incansavelmente cantava a secretária do escritório e há mais ou menos cinco anos Stefânia lhe dizia irresolutamente um lacônico... “não”, acompanhado de um sorriso maroto. Mas Jorge era persistente e fazia o mesmo convite, sabendo de antemão qual seria a mesma resposta. Nada tinha a perder e era um hábito que não fazia mal a ninguém.

Hoje, uma linda sexta-feira, no entanto, Jorge descobriu que era um dia especial na sua vida. Sua querida esposa Leocádia o alertou logo cedo, antes da ida dele ao trabalho:

– Meu bem, você sabe que dia é hoje? Perguntou já sabendo que ele não se lembraria e logo esclareceu: – é nosso aniversário de casamento, querido, 15 anos, chegue mais cedo, faremos uma festa familiar, filhos, sogros, sobrinhos, todos estarão aqui para comemorar. Já providenciei tudo.

Jorge realmente nem se lembrava de uma data tão especial, fingiu recordar-se e concordou plenamente, disse que daria um jeito e estaria mais cedo, fugindo a seu outro hábito de chegar sempre tarde.

Já no escritório, fez o que fazia de praxe e, claro, o habitual convite à Stefânia:

– Vamos sair hoje, garota especial? E já ia virando as costas quando ouviu algo inusitado:

– Sim!

Ele estacou, virou, olhou bem nos olhos dela e, atônito, arriscou:

– Como é?! O que você disse?!

– Eu disse sim, aceitei seu convite e vamos sair hoje – respondeu Stefânia, com tal simplicidade, como se isso fizesse parte de sua rotina de vida.

A cabeça de Jorge entrou em parafuso! Ela aceitou...! Ela aceitou...! Diabooooo! Justo hoje que ele tinha de chegar cedo em casa! Mas... que outro diabo! Ele também não podia perder essa oportunidade, já era até uma questão de honra pessoal. Tinha de sair com Stefânia e isso não podia acontecer durante o horário de trabalho. Tinha de ser depois do expediente. Diabo, duas vezes diabo! O que fazer? Que desculpa arranjar?

Criou coragem e ligou para a esposa, sem conseguir uma desculpa convincente:

– Amor, não posso chegar cedo, temos um compromisso aqui com um cliente para o final do expediente e eu tenho de encontrá-lo, sei lá, depois explico melhor, e foi logo desligando, sem esperar objeções. Restou à dedicada esposa comunicar a toda a família que a comemoração seria no dia seguinte.

Liberado de um compromisso, Jorge foi para o outro. Dia especial, no motel, pediu logo um vinho e, depois da sua ansiada festinha, tomou demais e aquilo que deveria durar meia hora acabou durando horas e mais horas. Dormiu!

Quando deu por si, eram três horas da manhã e seu celular tinha algumas chamadas de casa. Arrumou-se logo e, desesperado, procurava que desculpa dar à Leocádia. Pensou, pensou e nada. Aí resolveu telefonar, mesmo a essa hora, para André, um amigo cheio de desculpas para tudo. Depois das explicações de homem para homem, perguntou:

– André, me arranja uma desculpa, não sei o que dizer. O amigo nem titubeou:

– Arranje um giz e ponha na orelha, finja estar bêbado e diga a verdade à esposa.

– Como dizer a verdade? Você ‘tá louco?! Ela vai me matar, vai me largar, você não deve estar falando sério! – contrapôs um apavorado Jorge!

– Faça o que ‘tô dizendo, faça isso e conte a verdade, meu amigo. E o mais importante é o giz, não se esqueça do giz na orelha.

Aturdido, Jorge, sem uma desculpa própria, resolveu acatar o que o amigo disse, passou na sinuca 24 horas de outro amigo, pegou um giz, foi pra casa e botou na orelha. A esposa, mais preocupada do que nervosa pela irresponsabilidade do marido, o recebeu na porta, entraram e ele foi logo contando toda a verdade:

– Amor, vou confessar: saí com Stefânia, a secretária lá do escritório, foi maravilhoso, nunca tinha feito coisa assim, ela tem um corpo lindo, maravilhoso, fiz tudo que eu sempre sonhei nela, tudo mesmo, ela delirou, amou, foi a maravilha das maravilhas, etc., etc., etc. E não parava de falar.

Leocádia, olhando-o até penalizada, deixou o pobre marido falar tudo que queria e depois simplesmente disse:

– Jorge, vai tomar um banho vai, você ‘tá bêbado, ficou jogando sinuca com os amigos, bebendo feito um gambá (nunca vi um gambá bêbado! como deve ser?!) e agora vem com essas fantasias. Vai já pro banho, seu safado, depois conversaremos.

O admirado Jorge acatou a ordem, virou as costas pra esposa, sorriu discretamente da esperteza do amigo André, tomou seu banho e ainda, aconchegado nos braços de Leocádia, conseguiu dormir algumas horas antes de ir para o trabalho.

Leo Ricino

Novembro de 2008

Leo Ricino
Enviado por Leo Ricino em 13/11/2010
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