Conselhos

Pádua tinha por volta dos quarenta, não era casado e morava sozinho num sobrado em Copacabana, era servidor publico numa repartição no INSS no centro, era homem de muitas palavras e muitos amigos, escondia seu primeiro nome, Inocêncio, apresentava-se apenas como Pádua, era Pádua para tantos que Pádua ficou.

Seguia para o trabalho, numa manhã de segunda feira chuvosa em seu velho Santana vermelho, carro de muitos anos, mas era seu xodó, não o trocaria por nenhum outro ate que se acabasse. Hoje acatou o conselho de Ludmila, uma jovem colega de trabalho que o aconselhara a pentear os cabelos para frente a fim de disfarçar a calvície que vinha rápida. De fato, pareceu mais jovem e os óculos de sol, mesmo numa manhã sem pouco sol, lhe deu ar de garotão.

Chegou a repartição, distribuiu cumprimentos e sentou-se a mesa para iniciar mais uma das tantas etapas burocráticas das pensões quando Ludmila se aproximou, sorridente:

- Pádua, ficou muito bom o cabelo, se te conhecesse hoje não diria que é careca.

- Eu não sou careca. Respondeu contrariado. Tenho apenas um principio de calvície.

Ludmila riu e antes de sair, deu a ele mais um conselho.

- O penteado esta bom, mas não combina com a blusa, usa alguma coisa mais jovem, alguma mais justa.

Ela se foi e Pádua seguiu todo o dia de trabalho com aquela sugestão na cabeça.

Saiu mais cedo do trabalho, já estava lá a quinze anos e podia se dar esses luxos, já era estável. Mesmo no centro entrou na primeira loja de roupas que encontrou, procurou as camisas da garotada, achou estampas e cores vibrantes, pegou umas 5 entre estampadas e lisas e foi ao provador.

Uma, duas... Cinco... Nenhuma lhe agradava, não gostava desse tipo de blusa, apertava-lhe os braços e exibia a barriga que denunciava seus chopps nas noites de sexta. Recorreu a vendedora, pediu sua opinião e ela, clara como uma especialista:

- Estas três ficaram ótimas!

Nem eu que escrevo, nem você que me lê, nem Pádua, ninguém acreditou na vendedora, mas às vezes uma mentira descarada para amaciar o ego é o combustível necessário.

Foi o Pádua embora para casa com três novas camisas, jovens, justas, lisas e que estavam ótimas. Ao chegar as vestiu novamente, depois de um banho bem tomado, tentou se acostumar com aquela visão, a barriga tão visível ainda incomodava. Preferia um de seus blusões, mais largos, de botões e principalmente, com um bolso para a caneta.

No dia seguinte, estava Pádua na repartição. Não estava sendo um bom dia, o calor resolvera voltar, o ar condicionado resolvera não funcionar direito, Pádua já colocara a mão no peito por três vezes atrás de sua caneta, perdera a conta das vezes que puxou a blusa para descolar da barriga e por duas vezes prendeu a respiração para parecer mais forte do que gordo.

- Seu bobo! Não tinha que ter comprado uma blusa assim só porque eu falei Pádua! Ele reconheceu a voz, aos ridos, de Ludmila. Pádua, que não era tão bobo, percebeu a intenção dela em usar a velha tática feminina em chamar homens de bobo para que se comportem como tal.

- Eu já tinha essa e outras duas em casa.

Nem eu que escrevo, nem você que me lê, nem Ludmila, ninguém acreditou. Mas ao contrario de nós dois, ela resolveu fingir.

- Ah bom!

Ela voltou ao trabalho e Pádua fez o mesmo. Já no final do expediente, Cláudio, um amigo mais antigo se aproxima e brinca:

- Que isso Pádua, ta malhando?

- Malhando?

- Usando Lycra. Ri

- Cala a boca!

- Serio Pádua, essa blusa aí ficou legal! Mas o problema é a careca cara, assume de vez, melhor nenhum do que cabelo meia boca do jeito que ta.

Pádua ouviu o conselho e o absorveu, os dois se despediram e cada um tomou seu rumo.

Em casa, no banheiro em frente ao espelho, Pádua pensou no conselho de Cláudio, penteava para frente e para trás o cabelo, para ver qual ficava melhor, Cláudio parecia ter razão, assumir a careca era a melhor opção sem duvida, no fim de semana Pádua rasparia!

A semana seguiu normal, o ar condicionado voltara a funcionar, Pádua se acostumou (mas continuava não gostando) com as blusas e com os apertos abdominais que causavam e até havia comprado mais duas. Por mais dois dias Cláudio reforçou: careca é melhor!

Chegou o fim de semana e Pádua foi taxativo com o cabeleireiro.

- Quero sair daqui careca como um skin head!.

E assim aconteceu, Pádua estranhava o vento na nuca (já havia se habituado ao vento na testa prolongada) mas concordou com Cláudio, careca era melhor, com seus óculos escuros então parecia rejuvenescer vinte anos!

Mais uma segunda-feira havia chegado e a repartição fora apresentado a um Pádua careca, ele não pode deixar de notar os olhares espantados e até admirados de alguns, Cláudio acenou positivamente para ele em sinal de aprovação e Ludmila, sorria (mas não aprovava).

Durante um cafezinho na hora do almoço, Pádua juntou-se a um grupo de homens que falavam de futebol, mulher e política ate que um deles se virou a Pádua e aconselhou:

- Pádua meu amigo, a careca ficou ótima, mas com esses óculos parece aquele cara da Televisão, Marcelo não sei o que.

Todos riram

- Compra uma lente, não ta cara não. Continuou

- Deixa a barba crescer um pouco também, daqui a pouco vão achar que você é um daqueles tiozinhos que gostam de pegar menina nova em baile. Outro concluiu

Pádua apenas sorriu e acenou com a cabeça.

No Domingo seguinte, caminhando pelas ruas de Copacabana, Pádua viu um vendedor arrumando uma manequim na vitrine de uma loja e vendo tal cena teve inspiração para um (infeliz) pensamento filosófico:

- Manequins... Manipulados por qualquer mão, será que aceitariam isso se tivessem gostos próprios? Pior que tem gente que se leva pelo gosto dos outros mesmo.

E seguiu feliz para casa, com suas lentes novas, roçando a mão na barba por fazer enquanto puxava, mais uma vez, a blusa apertada da barriga.