Reminiscências

Nos primeiro dias, a casa ainda estava vazia. Viu alguns vizinhos e trocou palavras com outros: “olá, tudo bem? Sim, tudo bem”. Andou pelo quarteirão e soube que logo ali perto funcionava um bar. Encontrou um telefone público e fez sua ligação: suas coisas estavam a caminho, a mudança já havia partido. Pensou em acender um cigarro, mas estava tentando parar com isso há muito tempo e decidiu deixar para depois. Sentou em um banco e lembrou-se dela: olhos castanhos, lábios bem feitos e um abraço como poucos. Mas, quem sabe uma nova cidade abrandaria aquela terrível saudade.

Assim que sua cama chegou, cogitou dormir. Mas não, ficaria mais um pouco acordado, só um pouco. Começou a se perguntar por que mudara de cidade, amaldiçoando as antigas razões e procurando novas. Pegou um retrato nas mãos e sentiu o ar extinguir-se nos pulmões. Apertou o vidro a ponto de quebrá-lo. Chorou algumas lágrimas e olhou para o telefone recém instalado. Ligaria? Não, é claro. Segundos passaram e o telefone já chamava: ninguém atendeu. Esperava por isso, mas tentou mais uma vez e ainda outra. Quem sabe na última. Nada. Conferiu o número dela e disse qualquer coisa ao saber que havia discado o correto. Tentaria o celular e não mais a casa, mas este já não funcionava mais. A infeliz recordação de como o celular fora perdido lhe atingiu e as lágrimas vieram.

Muito longe dali, em um campo gramado pontilhado de peças grandes e cinzentas, havia algo que não poderia ser aceito. Entremeio cruzes e anjos, uma placa de granito continha o nome dela logo acima de datas nem tão distantes. Certamente ela não deveria estar ali. Ela não estava, concluiu. Queria uma última conversa; um abraço; uma despedida talvez. Precisava encontrá-la.