Alemão

- Venha cá, Alemão, você tem visita.

Os três guardas esperavam ao lado da porta da cela, que se abriu com um rangido único. Dentro da cela, dentro de uma sobra, dentro de seus pensamentos, Alemão levantou-se. Todos os outros presos pareceram diminuir de tamanho à medida que ele avançava calmamente. O guarda mais alto batia em seu ombro. O mais baixo parecia uma criança. Alemão estendeu as mãos e recebeu as algemas, antes de continuar. O corredor estava quieto, ninguém ousava fazer gracejos com aquele criminoso específico. Até mesmo os guardas, acostumados a serem durões com os detentos, tratavam-no com reverência.

Foi conduzido até uma sala onde lhe aguardava um homem franzino. O engomadinho designado pelo Estado. Um calafrio passou pela sua espinha quando viu o tamanho de seu cliente. Quando viu as tatuagens em seus braços e pescoço. Quando viu a cabeleira e barbas ruivas espessas. Quando viu que o Diabo olhava para ele e sorria. A montanha sentou-se diante do defensor, que pigarreou antes de colocar um fichário cheio de papéis em cima da mesa.

- S-senhor Geraldo…

- Alemão, por favor.

- Ah, sim. Me desculpe. Senhor Alemão, meu nome é Jaime e sou o advogado designado para defendê-lo. Solicitei esta conversa com o senhor para que o senhor possa me auxiliar a elaborar a sua tese de defesa perante o júri. Tudo bem para o senhor?

A resposta foi apenas um olhar ameaçador que fez com que a barriga de Jaime começasse a incomodar-se.

- B-bem, vejamos, o senhor está sendo acusado de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, estupro duplamente qualificado, lesões corporais, destruição de propriedade pública e privada, tráfego de armas, tráfego de entorpecentes, extorsão mediante sequestro, latrocínio, furto de veículos e furto de um sorvete de pistache – o rapaz voltou na sua leitura como se tivesse encontrado um erro – Sorvete de pistache?

- Me desculpe por isso. Tenho vergonha de isso constar na minha ficha, mas é que sou louco por sorvete de pistache – explicou-se o gigante, encabulado.

- Ôuquei… estou elaborando a tese de que o senhor teve uma infância difícil, que a sociedade o transformou no que é hoje, e que se o Estado tivesse lhe dado as condições necessárias para que o senhor fosse um cidadão de bem o senhor não estaria aqui hoje. Para isso, terei de fazer algumas perguntas sobre o seu passado, certo?

O olhar ameaçador agora fez com que as pernas do defensor começassem a tiritar em companhia com a barriga deste, que já estava em convulsões.

- B-bem, vamos começar: o senhor sofreu algum abuso na infância?

- Não, meus pais foram maravilhosos, eu acho que tive sorte.

- O senhor teve algum problema na escola, como notas baixas, professores omissos ou bullying?

– Não, sempre fui um bom aluno, bem enturmado e que os professores gostavam.

- Na adolescência, houve algum problema com drogas ou gravidez indesejada de alguma namoradinha?

- Não, eu sempre me mantive limpo. E como eu era do coral da igreja, só me envolvia com garotas em atividades religiosas.

- Mas o senhor teve alguma perda na família recentemente?

- Não. Todos os meus parentes estão vivos, tenho os quatro avós e saudáveis e até uma bisavó em Minas.

- Perdeu algum emprego nos últimos anos?

- Não.

- Teve alguma desilusão amorosa?

- Não.

- Levou alguma multa de trânsito?

- Não.

- Assim não dá, senhor Alemão. A sua vida me parece perfeita. A minha tese de defesa foi por água abaixo. Agora me diga por que o senhor resolveu ser um criminoso, se nada na sua vida dava errado?

- Exatamente por este motivo. Minha vida era perfeita demais. Sem ação. Sem emoção. Sem traumas. Como a sua vida deve ser. Por isso resolvi mudar. E me orgulho muito de ter seguido este caminho, estou feliz com o tudo o que fiz.

- E como o senhor espera que eu consiga defendê-lo na audiência?

- Não faço a menor ideia. Só sei que se você não der o seu melhor, eu te mato dentro do tribunal com as minhas próprias mãos. Nenhum guarda vai conseguir me segurar. Ou então, quando eu escapar da cadeia, eu vou atrás de você, da sua família, do seu cachorro, dos seus vizinhos, de quem quer que você conheça ou que conheça você, e vou estuprar e depois matar um por um, deixando você por último. Entendeu?

– P-perfeitamente, senhor Alemão. Pode deixar comigo.

O preso levantou-se, não sem antes da um último olhar, e voltou para a sua cela.

- G-guarda – chamou o advogado – p-por favor, você poderia me indicar se há alguma lavanderia expressa aqui perto?