Um dia daqueles...
O dia amanheceu, e os primeiros acontecimentos matutinos indicavam que aquele dia, especificamente, prometia...
Primeiro a água acabou no meio do banho. Para resolver o problema ele envolveu a cintura com a toalha e foi ligar a bomba, estupefato, constatou que a bomba que captava a água do poço no fundo da casa estava queimada e ninguém, absolutamente, ninguém naquela casa o havia avisado do problema elétrico. Pegou um balde, foi ao poço e lá mesmo aspergiu água sobre o corpo e retirou o sabão.
Entrou na cozinha com a cintura envolvida pela toalha de banho, colocou duas colheres de café na cafeteira, encheu o pequeno bule de vidro com água e automaticamente ligou a cafeteira, depois foi para o quarto trocar de roupa enquanto o café aprontava.
Ajeitando a mochila às costas voltou para a cozinha e, contrariado, verificou que tinha se esquecido de ligar a tomada da cafeteira. Não dava tempo para mais nada, estava em cima da hora para pegar o “buzão”.
Chegou esbaforido ao ponto de ônibus.
-Putizgrila! De novo superlotado... Parece até que as torcidas do Corinthians e do Flamengo resolveram pegar esse ônibus hoje! CACÊTA!!!
O amigo ou amiga sabe onde fica aquele espacinho entre o cobrador, a roleta e a lateral do ônibus? Pois é! Por incrível que pareça ali estavam dois caras e uma gata imprensadinhos, coladinhos. Se eram estranhos ou namorados ele nunca ficou sabendo. O que ele viu é que os caras e a gata estavam tão agarrados que a cena suscitava mil e uma suposições. Fazer o que né! O jeito era tentar se amalgamar àquela massa amorfa de rostos mal humorados e chegar ao destino com o menor dano possível nos dedos dos pés. Aos trancos e barrancos conseguiu chegar até a fronteira da roleta e foi até o fim do trajeto aspirando um delicioso “cêcê” de um cara tamanho quatro-por-quatro, e anda por cima mal encarado.
Chegou ao escritório e encontrou a mesa lotada de pastas regurgitando papéis. Ainda estava tentando entender qual a razão de a mesa estar atulhada de serviços que não era dele quando o chefe chegou exclamando.
-Alprígio, meu anjo da guarda! Meu chegado do peito! Ainda bem que você apareceu. Já estava ficando preocupado com você, meu camaradinha!
“Aí tem coisa”. Ele pensou. “O sacana do chefe nunca foi dado a gentilezas gratuitas”. Completou o raciocínio.
-O Dudinha e o Zeca telefonaram que não vêm trabalhar. Sarampo... Pode? Os caras depois de velhos contraíram sarampo. Isso é doença que a gente pega quando é criança e não depois de bode velho.
“E o ‘quéko’... O que é que eu tenho com isso?” Ele pensou com seus botões.
-Resumindo... Os balancetes que eles teriam que entregar hoje sobrou para você... Cara, você vai ter que se virar sozinho, meu! Os clientes ligaram que amanhã é o último dia para estes balancetes serem entregues nos respectivos bancos. Eles alegaram que se perderem o financiamento vão acionar o escritório, afinal, eles protocolaram o pedido há mais de trinta dias, segundo eles.
-Mas... Seu Praxedes! O que é que eu tenho com isso? O meu trabalho está em dia, não tenho nada atrasado. Balanços, balancetes, registros de entrada e saída de mercadorias e livros caixa de minha responsabilidade estão envelopados, lacrados e endereçados só esperando o “Jacaré”, o “Office Boy”, entregar nos respectivos endereços. É melhor o senhor falar com ele... Aquele moleque anda muito preguiçoso... Bem que eu ando reparando que ele anda escondendo o jogo... Só na “moita”.
-Tem tudo, meu camarada! Tem o seu emprego... Se o escritório for acionado na justiça... É claro que eu vou ter que cortar custos. E os que estiverem do meu lado... Bem... Estão com Deus...
O chefe fechou a mão, estendeu os dedos polegar e indicador, e balançando-os perto da fronte num gesto característico, completou:
-Entendeu?
O resto do dia foi um horror. O Computador deu tchútchio. A impressora ficou sem papel, o almoxarifado estava vazio, e o sacana do “Jacaré”, o boy, lerdo como uma lesma, demorou uma eternidade na papelaria e o almoço foi "pru’saco". Lá pelas quatro da tarde quando todos os balancetes ficaram prontos e com o estômago colado nas costas de tanta fome ele clicou no ícone da impressora para imprimir os... os... os..., bem... os “benditos” balancetes, e... tcham, tcham, tcham, tcham... a m.... da energia foi embora...
-PUTAQ’UIOSPARIU!!!!!!!!!!!!! Se os caras não morrerem de sarampo... Deixa estar... Eu mato os dois de... PORRADA!!! É meu... De P O R R A D A!!! Valeu???
Enfim... Lá pelas cinco da tarde, liberado pelo chefe, ele estava no ponto de ônibus esperando o “cata-corno”. O local estava com tanta gente esperando a condução que estava saindo passageiro pelo ladrão.
Cinco e dez.
Cinco e dez, era o horário do ônibus dele, e nada da linha 510, sentido Centro/Nova Porto Velho aparecer. Também... Com a obra das construções das “Usinas do Jirau” e “Santo Antônio”, o trânsito em Porto Velho estava uma maravilha. Travado, irritante, poluído e os ônibus explodindo de gente. Cara! Já imaginou uma cidade no interior da Amazônia receber em dois anos mais de cinqüenta mil pessoas e acomodar essa multidão toda sem a mínima infra-estrutura? Pois é! Porto Velho está assim no ano de Nosso Senhor de Dois mil e Dez. Meu camarada...! A cidade não tinha estrutura para acomodar nem os que lá viviam, imagine suportar cinqüenta mil de uma hora para outra? Sobrava para quem? Quem? Adivinhou! Sobrava para os “manés”... Tipo assim... Alprígio!
Alguém ao lado dele retirou o fone de ouvido e comentou com um amigo.
-Cara! Tu não vais acreditar! Motoristas e cobradores acabaram de entrar em greve. Todos os ônibus estão voltando para a garagem... Acabei de ouvir na FM.
Quando finalmente chegou ao “lar-doce-lar” debaixo do maior “pé d’água” que ele jamais havia presenciado em sua miserável existência, e, ensopado até os ossos, encontrou a porta da frente esbandalhada... Escancarada... A mulher aos berros...
-Alpi...! Al, meussamor...! Ô meu Deus do céu! Roubaram tudo... Limparam a nossa casa... Levaram até as pias do banheiro. Eu saí cedo... Fui até a casa da mamãe e quando voltei encontrei a desgraceira feita.
Desesperado o coitado do Alprígio começou a gritar para a mulher:
-Efigênia, minha querida! Me belisca... Me belisca... VAI, ME BELISCA... Isso que está acontecendo hoje só pode ser um pesadelo. ANDA... Mulher! Me BELISCA, meussamor! Está esperando o quê? Me acorda que isso só pode ser um PUTA de um pesadelo!
-AAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!!!!!!!! Que é que está acontecendo? Ficou maluca Rosa Maria?
-Eeeuuuu???? Quem está ficando maluco é você Roberto. Acordei com você me segurando pelos braços me sacudindo e me pedindo aos gritos para te beliscar que você estava tendo um pesadelo e que queria acordar de qualquer jeito. Eu, hem...! Meu amor você está trabalhando demais. Procura um médico. Você está muito estressado. Agora, me deixa quieta que eu quero dormir. Beijos!!!