Música e Saudades
Naquelas tardes de domingo, parávamos todos para ouvir a música da senhora que morava em frente a minha casa. Tocava um violoncelo desgastado pela recorrência de dedos habilidosos. Não possuía família, pelo menos não que soubéssemos. Morava sozinha, sem marido, filhos ou filhas. Passava a maior parte do tempo escrevendo sua música: notas e compassos de uma vida.
Muitas vezes os sons cessavam, e a musicista encarava nossos olhos com um sorriso. Crianças enchiam sua varanda de madeira, todos sentados, hipnotizados pela doce melodia daquelas mãos e cordas. Nestes momentos alguém abria a boca para protestar, querendo mais música. Mas, como de costume, ela se levantava e ia até a cozinha, depois seus passos de volta anunciavam que teríamos bolo de milho e suco.
Crescemos. Quando penso naqueles dias, alguns rostos me fogem a memória. Até mesmo o nome daquela mulher me parece impossível de ser lembrado, e por isso me culpo. Penso, as vezes, em nunca ter deixado sua varanda; ouvido mais de suas palavras e conselhos. Tempos depois, quando já não a tinha mais perto de mim, descobri que o tempo é implacável: fez daquela música mais uma doce lembrança. E assim foi, é e será; a vida embalada por canções.