A MALABARISTA DE SONHOS

Tarde de inverno.O crepúsculo refletia a névoa fria que pairava sobre a avenida de esquinas e faróis congelados.O movimento de carros era intenso, e a noite da cidade grande já se preparava para abrigar os profissionais da rua, que disputavam o espaço para ganhar a vida.

- Vida dura! Pessoas anônimas amontoadas nas esquinas e nos faróis das ruas da vida,uma vida de guerra,aonde cada um só vale pelo que tem.E o que se tem?Apenas um corpo, tão efêmero quanto o próprio tempo,momentaneamente despreendido da alma,para suportar um destino que nunca fora sonhado.

Um farol...um gesto de sedução...um preço fechado.Estava garantida a noite nossa de cada dia!

O que levaria àquela escolha?-pensei.

Semáfaro vermelho.Subitamente à minha frente,uma pequena menina de pés descalços,tentava rapidamente chamar minha atenção.Tinha nas maõzinhas desnutridas dois bastonetes que incoordenados, esboçavam uma acrobacia improvisada e dificultada pela tenra idade.Deixara no meio-fio, sua boneca despida,expectadora assídua de todo seu abandono!

Não tinha tempo...antes que o farol se abrisse, carregava a missão de me mostrar sua arte,e obter a justa recompensa por tamanho esforço.

Na verdade,não tinha tempo, não tinha infância, não tinha frio...não tinha absolutamente nada, apenas tinha aquela profissão de farol-malabarista da noite- brotada do sonho de ser alguém...e de um dia, enfim ,ser "gente".Sonho que jaz no asfalto da avenida, atropelado pelos carros,toda vez que o farol se abre.

Seu precioso tempo de infância,interrompido pelos semáfaros das esquinas...

-Vida dura!Crianças anônimas amontoadas nas esquinas e nos faróis da vida, uma vida de guerra,aonde cada um só vale pelo que tem.E quando não se tem nada?

Semáfaro verde.Rapidamente veio ter comigo.Um triste sorriso...e dois olhos brilhantes agradeceram por uma moeda.Estava garantida a noite nossa de cada dia!

Bendito sinal fechado!

Toda vez que um farol se fecha,lembro-me daquele par de mãozinhas guerreiras,daquela pequenina malabarista da emoção alheia,que me ensinou que muitas vezes não há escolhas, há apenas caminhos.

Difícil arte...a de ser malabarista de sonhos , e dos caminhos da infância repletos de faróis fechados... para a vida!

( Conto publicado em coletânea literária)

(Sp,05/09/2003)