Maria Filadélfia, louca e catinguenta.
Maria Filadélfia andava que nem louca pelas ruas de Alagoinha. Era uma mulher imunda e esfarrapada, que mendigava seu sustento dia após dia. Muitos a temiam, não somente pela sua loucura, mas também pelo seu porte avantajado. Negra grande, sempre carregava um saco cheio de suas tranqueiras para onde ia, e a catinga denunciava sua presença de longe.
Uns diziam que era louca de nascença, outros diziam que ela havia enlouquecido depois de perder um filho pequeno, e desde então perambulava pelas ruas, sem banho, maltrapilha e suja. Falava sozinha, gritava coisas incompreensíveis, ralhava com pessoas invisíveis, e ia levando a vida. A molecada da cidade a temia, e evitavam sua proximidade, mas de vez em quando a tentação era mais forte, e se divertiam azucrinando a pobre mulher.
Um dia um grupo de meninos encontrou Maria Filadélfia numa rua erma, e tiveram a idéia de jogar caroços de mamona na mendiga. Nada que machucasse, porém Maria Filadélfia ficou possessa. Gritava e perseguia os meninos, mas estes eram espertos e a driblavam facilmente. Ela então passou a pegar cascalhos no chão e jogar nos meninos, mas era tão inábil nisso que eles facilmente se livravam das pedradas.
A uma certa altura o bando de moleques sem perceber viu-se num beco sem saída: a rua terminava numa alta cerca de varas, de um lado um alto muro de pedras, do outro o muro do matadouro. Maria Filadélfia os perseguia nesse momento, e a única saída era escalar um pouco o muro de pedras, apoiando-se nas gretas, e em seguida ultrapassar a cerca de varas. Um a um em rápida seqüência conseguiu escapulir, e Maria já estava a poucos metros. O último, porém, não teve sorte. Na hora de transpor a cerca de varas, enroscou a calça e perdeu o equilíbrio, ficando pendurado de cabeça para baixo. Gritava e pedia ajuda desesperado. Os outros, do outro lado da cerca, nada podiam fazer.
- Ela vai matar ele!
- Que nada, só vai dar uma pisa…
- E agora? O que a gente faz?
Maria Filadélfia , com a mesma agilidade dos meninos, escalou o muro de pedras e agarrou o moleque pela cintura. Com um pontapé quebrou a vara que estava enroscada nele e o levou para baixo. O moleque chorava desesperado. Tinha um rasgo na perna que sangrava. Maria Filadélfia, ainda com ele preso pela cintura, arrancou uma folha de mamona e colocou sobre o ferimento. Com uma tira imunda de pano retirada de sua roupa, enfaixou a folha no lugar. Depois, simplesmente foi-se embora.
Nem morte nem pisa, apenas acudiu o menino, que apesar de ter desandado a urina, suspirou aliviado. Desde esse dia, os moleques de Alagoinha não mais perturbaram Maria Filadélfia.