O MESTRE DAS RUAS

Vinha eu pela avenida, sob o sol do meio-dia, quando nos deparamos lado a lado.

Eu, pacientemente aguardava o trânsito fluir, e distraída na direção, olhei para o meio fio, aonde ele cuidadosamente rebocava pela margem direita da avenida, seu utilitário de madeira envelhecida, tanto quanto sua pele, recoberto de penduricalhos recicláveis, material a ser comercializado para o seu sustento.Seu trôpego cão guardava-o cuidadosamente numa escolta impecável.

Entre tantos objetos, jornais, papelão e latas catados sob um sol escaldante, chamou-me a atenção uma bandeira desbotada que tremulava na dianteira da sua carroça.

-Seria mais um objeto a ser reciclado?-pensei.

Mais adiante, após estacionar e descer do meu automóvel, novamente nos cruzamos pela calçada.

Com a proximidade, pude constatar que realmente se tratava de uma pequena bandeira de tecido desfiado, cuidadosamente amarrada numa haste, aonde com muito esforço se identificava as quatro cores do nosso símbolo, desbotadas, sabe-se lá por quantos sóis e chuvas... em cuja parte central ainda se lia “ORDEM E PROGRESSO”, embora algumas letras estivessem apagadas.

Mais uma vez, sentindo certa curiosidade, repensei:

-Seria algo a ser repassado nas vendas, ou seria a identificação de um trabalhador e cidadão que orgulhosamente reverencia sua pátria?

Olhei para ele e instintivamente tive vontade de esclarecer minha curiosidade, mas desisti, talvez impressionada com a resposta que eu temia, mas que ainda não tinha.

Distanciamo-nos, e acreditei que não mais nos cruzaríamos pela grande cidade.

No dia seguinte, dirigindo meu automóvel pelo sentido contrário da mesma avenida, eis que encontramo-nos novamente! Ambos, com o mesmo destino...iniciávamos mais um dia de trabalho, e ele...amparado pela mesma escolta impecável. Em segundos obtive a resposta que tanto queria...

Reconheci imediatamente sua mensagem , a de que compartilhávamos o mesmo chão..

Nossa bandeira , apesar das intempéries, continuava firme e altiva, a identificar-lhe não somente a sua pátria , mas a sua garra...a sua devoção!Cheguei a inveja-lo.

Envergonhada , pressenti que ele me era um sinal. Nosso reencontro não poderia ser apenas obra do acaso.

Segui meu caminho, dele despedindo-me respeitosamente através do espelho retrovisor, agradecendo-lhe pelo curioso aprendizado.

Ele não sabe, jamais saberá...mas foi o meu melhor professor!

(Conto Verídico)

SP,05/10/2006