Coisas

Enquanto o próximo conto não sai, posso contar um que entra. Afinal, contos também entram, não apenas saem. O que entrou, recentemente, foi um sobre um sujeito de meia idade, quase terceira, nas proximidades da meia noite do horário de verão de um certo país da América do Sul, ir até seu computador escrever sobre coisas. Que coisas? Ora, várias delas, desde que lhe acrescentasse algo que valesse a pena e, com um pouco de sorte, aos outros também. Um dia, uma dessas coisas que ele escreveu, resolveu querer escrever sobre ele, o suposto escritor. Sem a menor cerimônia, saiu da tela e entrou no pobre coitado. Foi tão rápida, que não houve tempo hábil para qualquer reação. Uma vez dentro dele, a coisa lhe explicou que já estava cansada de ser escrita e, para variar, ia escrever. O tal cara de meia idade pensou até em resistir, mas a situação era nova e ele adora isso. Imagine só, pensou, uma coisa que quer escrever sobre coisas. Bacana isso, vou deixar. A partir de então, a coisa dominou suas mãos e cérebro, iniciando a escrita.

“Como todas as coisas, também sou uma.

Sei também, que uma coisa, é melhor que nenhuma.

Só não suporto ver gente me escrevendo, assim, tanto.

Coisa aqui, coisa lá, em quase tudo quanto é canto.

Escrevem até outra coisa, como se fosse eu.

E a coisa escrita, que não é coisa, coisada fica. Entendeu?

Quero dizer que o que se escreve, deve ter sentido.

Se não é coisa, por que coisá-la. Acho falta de juizo.

Amor, por exemplo, não é coisa, mas puro sentimento.

Exige prática, não palavras, senão vira condimento.

Não que escrever sobre ele, seja assim tão ruim.

Escrevê-lo em excesso é o problema, que parece não ter fim.

Já, quando o amor escreve, mesmo lá,um trecho breve,

O sentimento é marcante e notória a convicção.

Mas escrevê-lo toda hora, coisificado, o amor cai fora.

Vira objeto de consumo e eu, como coisa, mas com rumo,

E, vale dizer, direção,só ponho coisa no que é coisa, no amor, não.”

Satisfeita, a coisa saiu de mim e voltou ao computador, mas com um apelo. Queria voltar a viver a situação outras vezes, caso eu concordasse, pois achou a experiência incrível. Com o polegar,fiz positivo para ela e se despediu feliz. Foi dai que percebi que, embora não gostasse de ver o amor no seu grupo, das coisas, essa coisa parecia saber botar muito amor nas coisas dela.

Dassault Breguet
Enviado por Dassault Breguet em 22/10/2010
Reeditado em 22/10/2010
Código do texto: T2571240