Os bichos do Zezinho

A mesa estava perfeita! Os copos mais bonitos da casa brilhavam. Não eram de extrato de tomate. Nem de requeijão. Os talheres então, que orgulho; todos com o cabinho da mesma cor. Os pratos postos, guardanapos limpíssimos.

Tanto capricho era para receber os patrões. O jantar tinha que sair perfeito. Assim como os que Zuleide servia na casa deles quase todos os finais de semana. Claudiomiro ainda estava no banheiro. Há meia hora estava no banheiro. Queria ficar bonito e cheiroso, que nem gente fina. Que nem os patrões de Zuleide. Zezinho, o único filho do casal, todo engomadinho na roupa da Primeira Comunhão, estava impaciente. Tudo por causa daquele bicho infeliz que resolveu habitar seu pé. Como coçava! Só ele sabia!

Claudiomiro aparece na sala, cabelo lambido, bem na hora que toca a campainha. Eles chegaram! A esposa, orgulhosa, os recebe. E o Zezinho continua impaciente. Ainda estava arquitetando seu plano infalível para coçar o pé durante o jantar. Quase impossível! Tudo por culpa daquele maldito sapato duro.

Durante toda a tarde, Zuleide passou as instruções ao filho. Não comer de boca aberta, não falar de boca cheia, de preferência nem de boca vazia, não limpar a boca na toalha e, principalmente, em hipótese alguma, tentar coçar os bichos de pé! Aquilo ainda ecoava na cabeça do menino. Não coçar os bichos de pé...não coçar os bichos de pé... Por que não é o pé dela, pensava ele! E o Zezinho trancou-se no quarto para bolar seu engenhoso plano!

A lasanha da Zuleide, pelo jeito, estava fazendo sucesso. Deixou a mesa toda concentrada, no maior silêncio. Menos o Zezinho.

- Mãe, a senhora tem certeza de que tirou todos os bichinhos da salada mesmo? Acho que acabei de engolir um.

- O que é isso, menino! Isso é brincadeira que se faça na frente das visitas? Desculpem, o Zezinho às vezes me vem com cada uma! Não sei o que essas crianças andam aprendendo na escola.

- Dona Clarice – disse o menino à patroa da mãe - acho que a senhora também engoliu. Tinha um igualzinho ao meu na salada da senhora. Eu achei que era temperinho, sabe, mas depois que...

- Zezinho pára com isso agora!

Zuleide estava a ponto de estrangular o filho. Dona Clarice estava quase botando os bofes pra fora ali mesmo. Mas não deu tempo.

- Tá bom, tá bom, eu paro! Não tinha bicho nenhum na salada. Eu só queria mostrar que tem coisa mais nojenta do que eu tirar meu sapato pra coçar um bicho de pé no jantar...Posso?

- Coçar o quê? – levantou o Sr. Armando, num pulo. Você disse coçar um bicho de pé? Mas...é isso aí, garoto! Sabe que eu não estava mais me agüentando? – e foi logo tirando o sapato. Vem cá, já te ensinaram a botar o pé na água quente? E a deixar o bicho no escuro? Ah, não acredito! Sua mãe não te ensinou? Tá, mas furar com a agulha você já tentou, né...

E lá foram os dois para a cozinha, deixando na mesa três pessoas atônitas e uma lasanha fumegante, quase inteira.

- Manhêêê...onde a senhora guarda a chaleira, mesmo? E o fósforo?

Délia Brignoli Dias
Enviado por Délia Brignoli Dias em 20/10/2010
Reeditado em 22/10/2010
Código do texto: T2566978