O ALIMENTO QUE VEM DE DENTRO
A vida parecia ter passado muito rápido para ele quando, naquele dia, chegava ao pronto socorro trazido por um amigo de infância.
Apesar de jovem da meia idade, era como se lhe houvesse um xeque-mate do tempo, ou melhor ainda, ele mesmo se vira obrigado a nocautear o mesmo tempo que lhe roubara de si mesmo.
Há anos vivia sozinho, e explicava ao profissional que em São Paulo não há como parar para se cuidar da saúde, e aquele seu árduo trabalho de anos lhe consumia todas as horas, dedicadas ao maior atacadão de 'hortifrutis" do país, donde partia todas as madrugadas a carregar seu caminhão, para depois descarregá-lo para a sua velha barraca de feira livre já montada na antecedência daquelas horas.
Sempre se sentira um touro, e suas verduras eram as melhores do mundo!"Muitos artistas da televisão conheciam a sua barraca"...contava com orgulho.
E talvez fosse exatamente por isso que se sentia meio envergonhado por chegar sob as rodas duma cadeira, ofegante, depois de perder vinte quilos em poucos meses, vitimado também por fortes dores nos ossos...explicava ele.
Jamais se sujeitaria a fazer um daqueles "toques" horríveis "de homem".
"Toque é coisa pra mulher fazer!" argumentava ao amigo e aos profissionais de saúde, baseado num machismo culturalmente já combatido, mas pouco combalido.
Porém, um dia descobriu que as dores ósseas e o emagrecimento tinham origem naquela pequena glândula que dá um trabalhão aos homens.: a tal da próstata.
Um tumor a havia atingido e já parecia ser um pouco tarde. Haveria, desta vez, que se ganhar do tempo.
Foi quando recebeu a notícia de que seria operado com urgência.
Olhou para o médico e naquele dia se recusou à internação, assim, sem aviso prévio, embora há meses rodasse com seu amigo à procura dum atendimento especializado na rede pública de saúde.
Ali, enfim, tudo parecia encaminhado.
"Doutor, preciso primeiramente me despedir deles" confessou desesperadamente com copiosas lágrimas nos olhos.O amigo, inutilmente, tentava lhe convencer e lhe acalmar.
Era muito impressionante a sua preocupação com algo, além dele.
"Não há quem cuide deles para mim, então, preciso tomar todas as providências, porque se não tiver certeza de que estarão bem, não me interno não, doutor".
O médico parecia não entender como alguém poderia ser mais importante do que a própria vida que naquele momento corria grande risco.
"Cuidar de quem, o senhor não mora sózinho?" perguntou -lhe o médico meio inconformado.
" Dos meus passarinhos, doutor. Tenho que abastecê-los de água e de alimentos suficientes durante todo o período da minha doença..."