Um Corno no sertão

Serafim era um homem de boa aparência, espirituoso, cheio de astúcias e considerado inteligente por estas bandas do sertão do Piauí.

Por aqui, homem trabalhador, corajoso e conquisatador é o que há de melhor na espécie. Portanto, passa a ser desejado pelas fêmeas de todo tipo e espécie também. Ricas, remediadas, bonitas, lindas, sedutoras, faceiras e fogosas, principalmente. As demais se conformam com um pouco menos.

Serafim era assim, um desses homens de valor, bem quisto pelos outros homens de bem. O genro que toda matriarca de posses do sertão gostaria de ter. Homem que enfrenta a sela de um cavalo a longas jornadas, que guarda o gado de seu patrão com destemor, que assume os atos que fez e arca com as consequências honrosamente.

Que ele era homem destemido, isso todos sabiam, havia enfrentado um grande coronel local que se metera com a filha de seu patrão, cortando-lhe o gargalo e quase levando-o a morte fatal. Tornaram-se inimigos mortais.

Apesar de valoroso não havia conseguido uma varoa de mesmo valor.

Serafim tinha dificuldades com as mulheres. Era tímido demais para com elas. Não eram poucas as que a ele se insinuavam. Mas como se deve fazer um homem no sertão, ele nunca tomava a iniciativa. E mulher que se atira por aqui é mal vista.

Assim, levava a vida de bordel a bordel, satisfazendo suas angústias e carências nos braços da mulher de amor negociado.

Isso durou até seus 42 anos quando se apaixonou por uma meretriz de 16 anos, recém admitida na casa de luz vermelha, oriunda de outra região, era novidade, carne nova no pedaço.

Ele se apaixonara ardentemente. Era de fazer inveja a toda as outras mulheres do povoado que se intitulavam ser de "família", interessadas no Serafim.

Dona Ambrosina, matriaca de uma familia tradicional para quem Serafim trabalhava há décadas, sempre que podia lhe aconselhava a escolher uma moça que fosse de boa índole, ou seja de família.

Serafim, com riso discreto e desconfiado dizia:

- Dona Ambrosina, ela também é de família.

E era, ninguém vem ao mundo montado num burro marrom de sela dura.

Certo dia, Serafim, perdeu o senso do rídiculo e foi ao padre, Dom Emanuel, pedir para realizar seu casório com Margarida. O amor é assim, deixa-nos abestalhados, como diz no sertão.

Dom Emanuel, homem sereno e piedoso foi radical e colérico, prometeu descomungar-lhe, se fizesse outra vez aquele pedido absurdo.

Serafim meio desapontado, alugou uma casinha à beira da estrada no povoado de São Pedro de Alcântara e foi viver com sua amada.

Passados 10 anos de amansebamento, ele com seus 52 anos, já prostado e cansado da vida dura no campo, constatava que sua inestimável esposa encontrava-se ainda jovem, bonita e atraente à maioria dos homens de sua idade (26 anos).

Durante todo esse tempo nunca tiveram filhos, ele era infértil. Isso lhe incomodava por demais. Superticioso como a maioria dos homens do sertão, ia sempre que podia à casa de madame Mazé fazer algumas orações e rituais para curar-se.

Em toda sessão, esta lhe cobrava caro pela consulta, e ele voltava apenas com a esperança da promessa de cura.

Passados 12 anos de casados, para sua surpresa ou indignação, Margarida traz-lhe a boa notícia. Estava grávida de três meses.O nome dela será Esperantina.

Serafim não sabia se chorava de alegria ou de raiva. Pois a esta altura, já não mais frequentava as consultas espirituais de madame Mazé, e a esperança de cura tinha ficado no passado viril.

A menina nasceu e era muito parecida com a mãe, algo que confortou o coração cansado de Serafim. Ele não pudera realizar o sonho dela, mas estava satisfeito por ela. Apesar dos pesares, já era velho e não se sentiria tão humilhado.

Mesmo sendo motivo de fuxicos e comentários insinuosos de todos do povoado, ele mantinha a seneridade e o respeito por todos e aproveitava o momento para curtir a paternidade de Esperantina sua meia filha que tanto sonhara ter.

Margarida ficou surpresa ao perceber a reação de Serafim para com a criança, ele estava em estado de graça, deslumbrado. Ela sabia que Serafim não estava enganado quanto a ser ele o pai biológico. Mesmo assim era de um amor irrepreensível com a menina.

Certa manhã domincal, Serafim tomou umas e outras e se dirigiu a Margarida e lhe perguntou:

- Margarida quem é o pai dessa Esperantina?

- É você meu caboclinho!

- Não me engana não... eu sei que não sou. Você sabe disso.

E desferiu um soco violento no rosto de Margarida que lhe abriu o supercílio.

Ela com sangue sobre os olhos e a boca desferiu um golpe certeiro no coração ora magoado ora conformado de Serafim com as palavras mais sordidas que um sertanejo na sua concepção de mundo pode ouvir:

- Voce é um corno manso. Ela é filha de doutorzinho Marcelo, seu animal bruto.

Tamanho foi o seu desgosto em saber que a filha de sua mulher, era neta de seu maior inimigo o Zé do Gargalo, como ficou conhecido após a rixa de anos entre os dois, também por causa de uma menina mulher.

Ao tomar conhecimento, selou seu burro, carregou a bate-bucho, (espingarda) já velha, mas muito eficiente em alcançar o alvo e partiu rumo a propriedade de seu rival, Zé do Gargalo, para acertar as contas com doutor Marcelo que passava férias na fazenda do pai.

Todos na vila estavam atemorizados. Logo, algo de ruim estava por acontecer. As pessoas colocavam as crianças para dentro, fechavam as portas de suas casas e rezavam para São José, São Francisco, Santo Antônio e tudo que é santaiada.

Serafim tomdado por seu ódio desmedido acelera seu burro a chicote e a galopes incontestes rumo a lavagem de sua honra maculada. Dirigiu-se ao comercio de armas para comprar munição.

Margarida apressa-se em avisar doutor Marcelo no seleiro de sua fazenda, a cerca das intenções de Serafim. Mas não o encontra e como de costume troca carícias com Zé do Gargalo atrás dos grãos como fazia a tempos, desde que doutor Marcelo se casára e fora morar na capital. E lhe conta sobre o que estava próximo de acontecer.

Serafim quando se aproxima da porteira da fazenda de Zé do Gargalo, corre em sua direção de pés descalços e vestido longo, esfragalhado e sujo da lama e poeira do terreno rachado pelo sol escaldante, uma menina de olhos lacrimejados era Esperantina que a horas brincava na varanda da casa grande com os netos de Zé do Gargalo e gritava:

- Pelo amor de Deus volta pai, eu sou sua filha, nada mais importa você é que é meu pai.

Ela, Esperantina sem querer havia ouvido toda a conversa de sua mãe Margarida com Zé do Gargalo.

- Pai aquele velho é um desgraçado amaldiçoado, acaba de tirar a vida de minha mãezinha a punhaladas.

Zé do Gargalo fez isso após ter sido flagrado por sua esposa Geraldina (dona de metade de sua riqueza), deitado no seleiro com Margarida. E para se vingar, pela traição, revelou a ele que Margarida com quem ele se deitava, era sua filha com um antigo amante de sua juventude.

Zé do Gargalo furioso com a traição da qual todos agora eram sabedores, pergunta quem era o tal amante de sua esposa na juventude.

Geraldina era uma velha vingativa e destemperada, tomada de um sentimento de revolta e disposta a colocar fogo no circo (como se diz aqui no sertão) abriu sua boca enorme e gritou: - Ela é filha de Serafim seu desalmado, velho sem vergonha!

Lá fora Serafim e sua filha Esperantina em susto e pavor se abraçam.

De longe e abraçados vêem sair quase que simultaneamente o caixão de Margarida e o assassino aljemado em flagrante pelo homicidio pacional.

Zé do Gargalo rodeado pelos macacos, ao vê-lo abraçado com sua neta, cuspiu no chão e torceu a cara.

Geraldina a esposa traída e traidora do agora presidiário Zé do Gargalo, era uma velha amargurada e solitária e da varanda da casa grande olha fixamente Serafim a levantar Esperantina a montaria do burro bravo. Se olham por alguns instantes, como se dissessem a si mesmos, que estrago fizemos a nós e aos que nos rodeavam, por conta do descontrole de nossos institnos mais primitivos.

Serafim com sua filha na montaria arrasta as redias de seu burro arisco, que parece entender tudo que se passa com seu dono, parte em disparada estrada a dentro, agora com o coração e a honra aliviada.

Serafim retornou para casa com sua meia filha. Ao entrarem se ajoelham diante do oratório e rezaram pela alma de Margarida que agora descansava da vida dura e crua do sertão.

David Bandian
Enviado por David Bandian em 11/10/2010
Reeditado em 12/10/2010
Código do texto: T2551266