Você não devera de ficar com os olhos marejando por causa de moço não, viu filha? A ingratidão é um tracejado feio da gente ver, né verdade? Mas, se a gente escorar as vistas nas ruindades do mundo, vai ver que ela anda por tudo quanto é cara. Quem nunca fez uma ingratidãozinha nessa vida? Ingratidão de amor, então? E essa é que nem fel! De um azedume que faz a gente encolher e virar ovo outra vez. Até aquela singeleza do ovo a gente alega: quebra a toinha. Qualquer fiapinho de força, pronto, espedaça.
Mas, isso não é motivo para despejar olho não. Mais motivo de peleja do que desalento, sabe? Quando a gente cai numa encruzilhada de amor, que as pernas viajam pra um lado, o coração pro outro, e a cabeça da gente fica assim que nem um trem desencaminhado, se abrenhando estrada afora, melhor é procurar uma estação, uma gurita dessa de beira de estrada mesmo, não sabe, um posto de espera.
Pode ver, ó, que quando a gente se inquietada por causa de uma coisa que demora demais suceder e procura um canto para entornar a pressa, a agonia vai se desmanchando, enfraquecendo aos pouquinhos e aí, um tiquinho de hora depois vai ver, passou. Que nem rapadura no café: fica só o doce no paladar, mas não vê mais o torrão de dentro da caneca, né mesmo?
E vertendo água pelos olhos, pior ainda, pois que parece que não vai parar mais, o resto fica tudo embaçado. A gente olha, não vê; a gente vê, mas baralha tudo; faz ideia que viu, mas não avistou foi é nada. Pode até trocar dia por outro. Jura que foi hoje, mas foi mesmo dia atrás. Esse moço, que sua cabeça calhou de encasquetar, na verdade tá fazendo você esquecer do mais prestimoso desse mundo: você, filha, né não?
Tem outra coisa. Noutros tempos a gente depressa virava mulher, virava mãe, avó. Vivia que nem pedra rolando morro abaixo. Cada virada, uma variação. Não dava tempo de ver nada mesmo. Só préstimo, barriga e menino. Não dava tempo nem de joeirar com quem montar casa. Eu não alembro nem de como eu era direito. Miúda ainda, minha mãe me entregou. Hoje tá tudo transformado. Homem continua tudo igual, mas a mulher ganhou mais de par de asa. Ganhou vida, né? Pode voar pra mais de metro, ganhou outra cor, clarão, feitio, desinibição, até um pouco de atrevimento. Isso no meu modo antigo de ver... Hoje a mulher parece até dia depois de tempestade: desagarrou das nuvens cinzas que era obrigada a carregar, das trovoadas que tinha de ouvir, dos raios das dores que era impingida a ela por força desse mundo. Você faz parte desse tempo novo, com clareza pra ver o mundo, né mesmo?
Nesse chão batido aí pra dentro, tem uma flor que nasce do meio dos espinhos, você não devera de conhecer. Ela tem um viço de vida que de botão a flor não leva nem dia, sabe? E cheira forte, tão forte que num dá pra ficar com ela guardada. A gente fica até atormentada quando cheira e olha pra ela: de uma maciez de nuvem, sabe? É tão bonita em seu vermelhado quanto o rosto de uma santa! Mas não dura não. Só um dia. Morre com a noite, no meio da escuridão do chão. Parece que a gente teve foi é visão.
Esse amor seu tá até parecendo ela, nascendo dos espinhos da tristeza, da dor. Viçou, mas já morreu. E você deve de ter pegado toda a beleza dele enquanto estava vivo, num é mesmo? Pois é, de que adianta ficar pregando olho no que não se vê? Coração de cáctus, filha é assim: maravilha a gente com a admiração, mas vive tão forte e tão fundo, que expira cedo. Acho que é porque sabe das impossibilidades de outros dias, num é mesmo?
Quando a gente tá assombrada, eu sei que não tem afirmação que alente o coração. Mas, coragem, coragem mesmo, força de lei pela gente, tem que ter. Compostura, não sabe? Brio! Ainda mais, mulher. A gente não deve de se curvar pra ninguém, ninguém mesmo, nessa vida, pra agradar. Você para pra pensar, viu filha? Melhor escolher outro amor aí, que prospere pela vida afora, de mais duração, mesmo que o encanto seja mais singelinho, né mesmo?