Sábado
Ele mordeu o pão do cachorro quente, o recheio escorregou e caiu pelo fundo se esparramando no chão e no seu velho tênis.
"Caralho!", disse.
Foi até o lixo e jogou o pão fora e saiu pela calçada amaldiçoando deus e todo mundo. Viu os hippies vendendo pulseiras e algumas gurias experimentando uns brincos de penas coloridas.
"Gostei desse", ouviu um das gurias dizer.
Botou as mãos nos bolsos e saiu caminhando, olhando as mulheres que passavam, admirando cada peito e bunda. Água na boca.
Viu uma galera sentada numa esquina com um violão tentando tocar músicas dos Beatles, e outra rodinha ao redor de duas mesas de bar juntas com várias cervejas vazias conversando alegres sobre algum problema filosófico irrelevante.
Comprou uma entrada e foi ao cinema da esquina ver um filme por falta do que fazer.
Dentro da sala alguns casais se pegavam e gemiam baixinho e suspiravam, lá na segunda fileira um gordo comia uma pipoca jumbo e um refrigerante big, alguns senhores lá atrás com as pernas cruzadas sobre a fileira da frente, e ele lá no meio, tentando entender o complexo enredo do filme. Um casal separado. Filho com doença incurável mas da qual milagrosamente se curou no final. Um cachorro que salva a família de um incêndio. A finèsse do cinema atual.
Suspirou, pensou no que as pessoas que tem o que fazer da vida estariam fazendo a essa hora. Sexo provavelmente. Mas também colonóscopia. Operando tumores cerebrais. Batendo o carro. Prendendo o pau numa garrafa de vidro. Vomitando as tripas de tanto beber. Fumando um cigarro. Alguém está fazendo isso agora, pensou, talvez seja melhor não ter nada mesmo pra fazer.
Saiu do cinema e viu os casais de mãos dadas andando pelas calçadas, havia chovido e tudo refletia os postes de luz de magnésio. Eles olhavam as vitrines, ele olhava os casais olharem as vitrines.
Foi para o ponto de ônibus.
"Porra, perdi o ultimo", disse para si mesmo, "Agora só o da uma hora", suspirou.
Devia ter trazido um livro, pensou.
Cruzou os braços e esperou, mas o ônibus não veio, nem aquela linha que dá aquele contorno grande pra caralho veio. Os filhos da puta param pra tomar café e deixa os trouxas aqui no meio da noite nesse frio do caralho, pensou.
Deu 1h15 e resolveu ir a pé.
Quando passou a segunda quadra viu o ônibus passar voando, nem deu tempo de se virar e dar com o dedo.
"Porra meu!"
Foi embora a pé.