ALTO À SOLIDÃO

Transpunha e fechava a porta. Trancafiava às costas as angústias, deixando para trás sua identidade solitária. Agora ele era um novo homem ... ao menos por um lapso de tempo. Como de hábito, caminhava até a Praça da Independência, onde se entrincheirava nos dias ditos de descanso. Ali desenhava uma imaginária rosa dos ventos, e, principais, colaterais ou subcolaterais, elegia direções para as quais remetia seletivas frustrações, incertezas e desesperanças; guardava consigo somente as alegrias. A idéia era não baralhar conquistas e perdas, futuro com passado, firmezas e dúvidas.

Logo de manhã, assistia à chegada dos primeiros "habitués" daquele local de acolhida, onde ares generosos sopravam sobre pobres, ricos, casais românticos e carentes de afeto todos à procura de um par; igualmente, sobre a criança, o jovem, o idoso. Sim, todos se sentiam livres, libertos dos tumultos dos dias úteis, dos labores domésticos, da rigidez das rotinas acadêmicas. Tudo caía no esquecimento em troca do entretenimento e da paz.

As horas transcorriam. Ele, instalado em um dos bancos de concreto situados junto aos jardins floridos, observava o movimento cíclico dos ponteiros do relógio elevado ao topo de um dos edifícios erguidos na esquina da avenida maior, eixo referencial da Capital. E o sucessivo repicar dos sinos precisavam a dinâmica do tempo, que avançava, enquanto na praça e em meio a um constante vai-e-vem, faces se renovavam.

Punha-se ele, às vezes, junto às muitas fontes lá dispostas, para sentir de perto o fascínio da gente em dias de verão. Nessa fase do ano, o tocar das águas no rosto e nas mâos era quase magia; afastavam das lembranças os meses passados, quando aquela área se encontrava coberta de expesso, vasto e alvo manto gelado.

Ainda não se havia projetado o moderno "Shopping Center", que no subterrâneo, hoje, abriga lojas das mais renomadas etiquetas, destinadas a satisfazer exigências das ascendentes classes sociais. A afluência intensa de então nada deixava a desejar, entretanto, ao fluxo atual de visitantes; para todos os gostos, o clima era descontraído, comparável a uma festa de convites ostensivos, sem formalidades, sem parâmetros, sem exclusões.

O sol se pondo propiciava encontros de namorados, desfiles a qualquer título, ofuscação momentânea de belas noivas cortejadas pelos transeuntes seguidas de legiâo de fotógrafos, além de outros eventos festivos recorrentes ou não. A animação ambientava a felicidade geral naqueles fins de tarde. Ele se deixava fascinar. Às horas vespertinas seus olhos ainda eram atraídos por um balão inflado, que, errante, flanava desprendido da carrocinha de algodão doce, a mesma que emitia som agudo e que também oferecia a pipoca doce ou salgada, quentinha e colorida. Papai (ou Mamãe!) Noel, figura exótica local que desconhecia estação extra-natalina e vestida de cetim na cor amarela, chegava a tempo para posar graciosamente diante das câmeras dos turistas que, maravilhados, passavam a eternizavam imagens tomadas como as mais raras para suas recordações.

Ao anoitecer, esvaziada a praça, ele, que desde cedo a todos e a tudo observara, igualmente se ía, levando consigo a expectativa de que aqueles inconscientes coadjuvantes públicos do palco animado a céu aberto retornariam à ação nos sábados vindouros, nos domingos seguintes, nos próximos feriados. Esses personagens e cenários lhe ajudavam a driblar sua angustia, sentimento com o qual novamente voltaria a conviver no regresso à casa, ao reabrir e cruzar a porta para reencontrar sua inoportuna companheira: a cruel solidão.

Israel dos Santos
Enviado por Israel dos Santos em 07/10/2010
Reeditado em 28/05/2013
Código do texto: T2543702
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