Aqueles que eu amei!
Aqueles que eu amei!
Lembro-me ainda, quando as folhas secas caíram dentro de mim e estranhamente o verão se fez outono. Sempre carreguei dentro de mim, apesar da pouca idade, um senso de responsabilidade e uma paixão pelo magistério, que aos olhos de uns parecia prenúncio de bom profissional e de outros, ilusão de jovem idealista, mas o fato é que o meu afeto pelos meus “filhos” supriu os desenganos da profissão.
Meus filhos! Era assim que eu os chamava, contrariando a idéia de que aluno não é parente e que não devia levá-los em meu pensamento ao pôr os meus pés fora dos portões da escola. Mas, se assim os chamava, era porque assim os sentia, antes das folhas secas caírem em pleno verão.
O meu ingresso na escola pública, deu-se em razão de um projeto denominado “Teatro, a sublimação da violência”, que enviara a um diretor e que me garantiu uma vaga como professor “temporário” e me fez conhecer um terceiro ano do Ensino Médio, que me ensinou que “as folhas também caem em pleno verão”.
Foi nesta época, que vi nos olhos dos meus alunos, a alegria de ser leitor e mais que isso: vi também a alegria e a emoção de ver os textos lidos ganharem vidas no pequeno palco da escola.
Sempre acreditei, desde os meus verdes anos, que uma escola sem palco é uma escola sem vida, pois o palco é a referência das ações positivas em prol do educando e de sua necessidade de ser ouvido. E quantos vezes meus colegas deixaram de ouvir meus “filhos” e perceber o que seus olhos diziam!
Nestes anos de magistério, percebi também que da mesma forma que as folhas caem no verão, as flores na primavera também enrugam como se fosse inverno e eu tive esta certeza quando vi a primavera fugir dos olhos dos meus alunos ao ouvir de um velho professor que eles tinham que aprender gramática, por isso não os liberariam para ensaiar teatro.
Os dias se passavam e meus filhos continuavam presos entre quatro paredes, “aprendendo” a gramática do professor, mas com o pensamento no pequeno palco, ansiosos para ouvir o toque do sinal que os liberariam para o intervalo e para que eles pudessem dispensar a merenda, para ficar quinze minutos ensaiando comigo a peça que nunca acontecera.
Algumas vezes, declamava poemas, interpretava contos que eles ouviam e aplaudiam, chegando certa vez a “roubar” rosas do jardim da escola e jogar suas pétalas sobre mim, após a interpretação. Mas o que eu sonhava e eles também, era ouvir estes textos em seus lábios no velho palco da escola.
O palco continuou mudo durante quase todo ano, até uma professora “titular” e que tinha nas veias a vocação para o magistério decidi fazer uma gincana e pela primeira vez o palco ganhou vida com os meus “filhos” dançando, declamando e interpretando. Aproveitei para me vestir de velhinha e fiz um monólogo em homenagem ao terceiro ano que partiria da escola. Hoje, fecho os olhos e vejo aquele momento como uma pintura que devia ser eternizada em toda escola.
Mas dezembro chegou e com ele o verão e com este as férias escolares. Foi aí que eu tive a certeza de que as folhas não esperam o inverno para caírem e que eu só poderia levar os meus filhos no meu pensamento.
Da pequena sala dos professores, onde se podia observar o pátio, não vi mais os meus filhos, mas ouvia suas vozes no palco ensaiando comigo o teatro que nunca aconteceu.
Estes dias, encontrei com um “filho” do terceiro ano, que me perguntou por que eu não havia comparecido em sua “Colação de Grau” e eu disse àquele que amei:
_ Porque seu professor não foi avisado!
E mais uma vez as folhas secas caíram dentro de mim em pleno verão!