O vida mansa
Juraildes era um desses homens tranquilos, nada na vida o apertava. Nos seus trinta anos de idade, trabalhava como vendedor ambulante de porta em porta. Vendia bugigangas do Paraguai e de onde mais fornecessem. Não era daqueles que se preocupa com o amanhã. Acordar cedo para ele era uma penitência terrível!
Todo o dinheiro que ganhava era usado para comprar roupas e sapatos da moda. Por isso andava sempre bem vestido, numa apresentação pessoal impecável, capaz de dar inveja em muita gente. Dinheiro no bolso mesmo, só alguns trocados para um lanche, e para colocar alguns litros de álcool no tanque do carrão (um Chevette branco ano 78, originalmente a gasolina, adaptado pra álcool) ou para comprar algumas passagens ônibus e era só. Tudo que ganhava, separava o suficiente para fazer novas compras e o restante gastava com roupas, calçados e perfumes.
Quem o via pela primeira vez, dava-o por um homem de negócios, um executivo bem sucedido. Fala bem, usava e abusava do bom português e algumas tacadas no inglês e espanhol. A internet era sua ferramenta de estudos, acessada através de uma lan-house perto de sua casa.
Namorada? Fazia muito tempo que não tinha nenhuma, apesar de ser um galante e ser um cativador à primeira vista. Sempre que se aproximava de uma mulher, de inicio a impressionava, a conquistava. Mas assim que ela descobria o pobretão e conquistador que ele era, caia fora. Nem ficante ele tinha. Saía apenas Ritinha, uma garota de programa que fazia ponto no largo da rodoviária. Como ele era freguês habitual, ganhava até desconto e às vezes um fiado também conseguia.
Às vezes fico pensando: porque será que tantas pessoas levam a vida na boa, na preguiça, sem pressa e são felizes sem igual? Eu, por exemplo, acordo às seis da manhã, chego no trabalho às sete, saios às seis da tarde, no mínimo, corro para outro trabalho, fico até nove, dez da noite ou até mais. Resultado: todo fim de mês estou numa pindaíba danada e quase sempre acaba salário e sobra mês.
São os mistérios que até hoje não consigo sequer imaginar desvendar.
Mas voltemos ao Juraildes, nosso personagem principal. Até porque querer explicar o inexplicável é mesmo uma bobagem, apesar de existir por aí milhares de homônimos meus, trabalhando feito não sei o quê, na tentativa de fazer aquela viagem de férias no mês de julho ou dezembro. O Juraildes não se aperta com nada. Dorme lá pelas duas da madrugada, acorda pelas dez, onze horas e aí começava a sua maratona. Tomar banho, barbear, cortar os fios que se atrevem a sair das narinas, arrancar os fios brancos, cortar as unhas, escolher a roupa certa, os sapatos certos, as meias certas, o perfume certo...
Era um ritual diário, que dona Jandira, sua mãe, nem se preocupava mais com sua demora no banheiro, mesmo sabendo que só existia aquele na casa. Ninguém conseguia se desapertar em menos de uma hora, depois que ele entrava no ambiente privativo da simples casa. Por várias vezes, alguém da casa tinha de ir atrás da casa ou no banheiro do Bilhar do Zeca, um barzinho de higiene duvidosa, vizinho de sua casa. Seu Zeca torcia o nariz, achava um absurdo, usarem seus sanitários sem sequer fazer alguma despesa em seu estabelecimento. Mas aquilo era uma rotina fazia anos e o jeito era aceitar calado. Ou resmungando mesmo, dependia do estado de espírito do momento.
Juraildes terminava de se aprontar praticamente na mesma hora em que dona Jandira terminava de fazer o almoço. Então ele almoçava, pegava sua sacola de quinquilharias e saia pelas ruas, vendendo aqui e ali. Dono de um carisma sem igual conquistava a freguesia, vendia tudo que se propusesse a vender.
Certa vez ele conheceu uma mulher e se “apaixonou” de cara. Era uma empresária do ramo de eletrônicos, divorciada e bem sucedida. Uma mulher muito bonita e conhecida na sua cidade, respeitada por sua lisura e admirada por sua beleza. Ele pensou em se dar bem, pois ali poderia render suas despesas e a manutenção de seus caprichos. Via ainda, a chance de encher, ao menos uma vez, o tanque do carrão, que a essa altura já deveria estar com a metade superior toda enferrujada, pois fazia anos que só colocava alguns litros do etílico.
Ela, por sua vez, se enganara com o nosso herói, pois pensara que ele era um homem de negócios, coisa e tal. De negócios ele realmente era. Mas não o esperado por ela.
O imprevisto aconteceu e eis que ele acaba se apaixonando de verdade por ela. Mas, como mentira tem pernas curtas, logo ela soube quem era verdadeiramente o moço, e tratou de despachá-lo o quanto antes. Mas, saberia ela bem mais tarde que não seria tão simples assim. O que tinha ela decidida a não querê-lo mais, tinha ele de determinado a conquistar definitivamente aquela mulher. Ele tinha a convicção que tudo faria para ter os carinhos dela.
Assim o tempo foi passando e alguns meses depois ela se mantinha irredutível, chegando à beira de queixa na polícia, contra aquele inconveniente. Quanto a Juvenal, ele estava chegando à beira do ridículo, armando toda sorte de artifícios para conquistar sua deusa, sem sucesso até então.
Um ano se passou e Juraildes aparentemente deu uma trégua à sua amada. Ledo engano. Na verdade ele estava preparando sua estratégia. Nesse meio tempo ele economizou, juntou grana e trocou seu Chevette por um carrão bem novo (Um Gol bola de sete anos de idade). Era um bom começo, ele acreditava. Estava chegando a hora de mostrar as garras de novo. Sua deusa não escaparia.
Uma noite, casualmente passeando pelo shopping, ele vê não mais nem menos, a sua amada querida, sentada tomando um sorvete calmamente. Não se fez de rogado e procurou abordá-la imediatamente, jogando sobre ela todo seu poder de sedução.
Mas, aquela não era a sua noite: sem pedir permissão, sentou-se ao
seu lado e com a voz melosa que só ele sabia usar, e eis que inesperadamente chega um homenzarrão e senta do lado oposto da mulher, perguntando-a o que estava acontecendo.
Ela, sem pestanejar, disse que aquele estranho a estava incomodando, com conversas inconvenientes. Isso foi a deixa para que o “protetor” partisse pra cima do nosso conquistador. Este, por sua vez, agindo rapidamente saiu em disparada, seguido de perto pelo agressor.
E foi uma corrida maluca e a única alternativa que encontrou foi descer a escada rolante que subia, na contramão das pessoas que subiam, empurrando-as, se desvencilhando de outras, até chegar no andar inferior. E finalmente conseguiu despistar o perseguidor.
Em seguida ele foi embora pra casa, tomando cuidado para não ser seguido. O coração, quase saindo pela boca.
Já distante, o susto passou e já próximo de casa, resolveu parar e comer x-salada, num quiosque já de vista de sua residência.
Enquanto esperava para ser servido, chegou no recinto dois sujeitos mal encarados em uma moto e assaltaram ele e mais outros dois fregueses que estavam aguardando e de quebra limpou o caixa do comércio. Juraildes, que tinha no bolso apenas vinte reais, ficou sem eles. Era tudo que dispunha para pagar o lanche. O acontecido lhe tirou a fome, mas mesmo assim a casa lhe forneceu o lanche. “Por conta da casa, pelo trauma sofrido”.
Aquela, definitivamente não foi uma das melhores noites de sua vida.
Quanto a sua deusa, melhor seria esquecê-la definitivamente.