VACA ESTRELA E NINTENDO DS

A mãe estava a pensar sobre a sua infância naquele fim de mundo, na roça, longe de toda civilização, em um vale quase encantado para ela e os irmãos.

Lá não tinha energia elétrica. Luz tinha a do sol, a da lua, a das estrelas e a das lamparinas a querosene. De dia era sempre a maior festa. Sempre tinha o que fazer. Não havia monotonia naquele lugar. À noite, quando as conversas cessavam, só se ouvia o barulho da natureza. Quando chovia, era como cantiga de ninar a embalar o sono. Em dias quentes o barulho era mesmo o dos sapos, dos grilos e o latido dos cães a guardar a casa e o quintal. E, com esses sons, os irmãos dormiam, felizes, sem ter com que se preocupar. Ao acordar, alguns iam ajudar o pai a buscar o gado para tirar o leite. Os outros despertavam cedo também, corriam aos pés de frutas, caminhavam embaixo das árvores sentindo o frescor da manhã, se molhando com os respingos de orvalho das plantas. Eles colhiam as frutas e comiam ali mesmo, sem se preocupar se precisaria lavar ou não. A fruta, madura, estava pronta, se oferecendo para ser saboreada e nada mais. Nunca ouviram falar em agrotóxicos ou em contaminação de qualquer tipo. Eles Sabiam mesmo era saciar a fome, fazer o desjejum ali e, depois, passavam na cozinha, colocavam um pouco do cafezinho, que a mãe acabara de coar, com coador de pano, e corriam para o curral para tomar aquele leite espumando, quentinho e cremoso. Até o barulho do leite esguichando no copo era gostoso de ouvir, parecia uma canção para iniciar bem o dia.

E o nome das vacas então! Era divertido ouvir o pai gritando o nome delas. – Estrela, Estrela! Com aquela voz grossa e a vaca obedecia, aparecia diante dele, preta, linda, com uma mancha branca, tipo estrela, na testa. O pai prendia as pernas dela com uma corda, abria a porteira e o bezerrinho vinha correndo mamar. Dava umas cabeçadas nas tetas da mãe, sugava forte e quando começava a ficar bom, o pai separava o bichinho de sua mãe de novo, porque à noite já o obrigara a dormir longe dela. Era assim que tinha de ser. Ele tirava um bom balde de leite e deixava um pouco para o bezerro que, agora sim, era solto e poderia mamar o quanto quisesse e ficar com a mamãe vaca até o entardecer.

Era bom ver parto de vaca, de porca, de égua. Ficavam todos na expectativa, o pai, os irmãos, até a mãe dava uma pausa na lida doméstica, para ver a cara do novo serzinho que estava chegando. Era divertido vê-los cambaleando para dar os primeiros passos, a mãe lambendo-os, e empurrando-os para que eles se desprendessem do chão e embrenhassem sua caminhada.

Gatinho, cachorrinho, porquinho, todos nascem com os olhos fechados. É bonito de se ver, eles abrindo, de pouco em pouco seus olhinhos, sob os cuidados de uma mãe pronta a protegê-los de qualquer coisa que se aproxime. E as galinhas então? Quem se aproxima de seus pintinhos recém-nascidos leva bicada na certa e bicada de galinha dói prá valer.

Ela estava, assim, distraída, sonhando acordada com aquele tempo, quando é interrompida pelos filhos:

- Mãe, você viu meu Nintendo DS? Fala o filho.

- Mãe, eu posso levar meu ipod pra aula? Ah, mãe, eu queria um jogo de PS3, ele se chama... ela ouve, ao longe, o outro filho.

A mãe suspira longamente e diz;

- Os tempos são outros! - Vaca Estrela, Mimosa, Mocha, Pintada; Vêm-lhe à mente o nome das vacas e em sua memória retumba a voz do pai gritando o nome delas no curral. -Estrela! Estrela! Mimosa! Mim...

- O quê mãe? O que você falou?

- Nada não, filho, tá tudo bem! O que mesmo que você queria?

DoraSilva
Enviado por DoraSilva em 28/09/2010
Reeditado em 07/10/2010
Código do texto: T2525084
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