A Ronqueira
A criatividade dos meninos de alagoinha não tinha limites. Quando o caminhão de Zé Amorim quebrou o eixo, o dono da única oficina da cidade precisou encomendar de Recife umas peças novas. Como era uma novidade aquele tipo de conserto, logo atraiu a atenção da molecada, curiosos para ver os reparos. Um dos moleques, Zé de Cotinha, cujo pai tinha fama de caçador, logo descobriu algumas peças interessante jogada na oficina. Eram uns pinos roliços de mais ou menos um palmo de comprimento, e uma polegada de diâmetro, que tinham um furo no meio que chegava somente até a metade.
- É pino das “catepilas” que trabalharam na estrada. Sobrou um bocado deles por aqui, mas não tem serventia. – explicou o dono da oficina. - O furinho no meio é pra encher de graxa. As peças de caminhão que Zé Amorim vai precisar são parecidas com essa.
- Posso pegar uma, seu Tonho?
- Pode, mas que diacho você vai fazer com isso?
- Sei não, seu Tonho, vou ver...
Ele já sabia. Tinha tudo na cabeça. No dia seguinte apresentou a novidade aos outros moleques. Ele tinha limpado a peça direitinho, deixando o furo completamente vazio. Fez uma alça com arame, que servia para balançar o pino. Raspou algumas cabeças de fósforo e colocou dentro do furo. Depois enfiou um prego, e balançando o pino, bateu contra uma pedra. O prego pressionou a pólvora, que explodiu. Um belo estouro. A meninada ficou deslumbrada com a invenção. Logo seu Tonho Mecânico estava sem nenhum pino de “catepila”.
- Como chama isso, Zé? Ensina a fazer?
- É ronqueira. Pai tinha uma espingarda que fazia um barulho desses e chamava ela de ronqueira. Então, é ronqueira... É fácil de fazer. Depois a gente vê quem dá tiro mais alto...
E assim começou a moda das ronqueiras. Enquanto usavam pólvora de fósforos, nenhum acidente. A coisa só ficou feia quando alguns meninos furtaram pólvora de caça dos pais e colocavam nas ronqueiras. Dois deles quebraram a perna com o coice violento do pino. Preocupados, os pais dos moleques começaram a tomar as ronqueiras dos filhos, até que sobraram tão poucas que não tinha mais graça brincar com aquilo, pois o que era interessante era a disputa pelo tiro mais barulhento. Sem disputa não servia para nada.
Umas três semanas depois, seu Tonho Mecânico recebeu as peças novas do caminhão de Zé Amorim. Sobraram mais alguns pinos parecidos, mas ele depressinha deu sumiço neles. Um dos que tinha quebrado a perna era seu filho...