Troca

Vazio. Vazio. Vazio. Quanto mais pessoas passavam menos ele se interessava.

Sempre fora diferente. Não gostava de “tudo”: vivia sentado num canto ( para muitos o excluído ) com um livro aberto, olhos atentos. “Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito em alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante.”, dizia para si mesmo a citação que, digamos, era “sua”.

Dono de uma intensa inteligência, não gostava de estereótipos: odiava afirmações que a sociedade impunha desde o nascimento até a morte. Seria tão mais fácil nadar na mesma água. Ou não?

Vivia na rua, sim.

Escrevia contos, prosas, poesias, paráfrases, crônicas, romances, artigos, resenhas, versos. Em mente.

Folheava um livro (em mente), quando de repente avistou uma menina, logo dizendo:

- Você gosta de artesanato?

- Aham...

- Qual seu nome?

- Clarice e o seu? Sim, ela também se interessara por ele, que, instantaneamente abriu um sorriso, esticando sua mão para ela, retribuindo com tanta... intensidade.

-Posso fazer um para você?

- Eu não tenho dinheiro agora... nadinha.

- Tudo bem. Bom final de semana.

-Para você também. Tchau.

Os olhos verdes daquela criatura o hipnotizaram de uma forma... ele sentia a necessidade de tocá-la novamente. Não hesitou, correndo para tentar encontrá-la.

Estranho, não fazia tanto tempo assim, mas ela havia sumido. Como? Seu coração batia cada vez mais acelerado...

Clarice andava sempre com pensamentos “para além de”. Adorava novidades. Não, gostava mesmo de seres humanos autênticos.

Atravessou uma rua; mais dois passos; ouviu uma voz lhe chamar.

Não conseguia parar de olhar para ele. Conversaram, sim, o que havia demais? Ele poderia ser um completo estranho para a sociedade, mas para ela, talvez, suas próprias interrogações/afirmações.

Seria ele,ela? Ou ela,ele? Havia dado uns cinco passos:”Como gosto de pessoas assim!”. E olhou para trás mais uma vez, para marcar em sua mente o rosto daquele homem.

Seus olhos agora se mexiam desordenadamente. Ficara nervoso. Precisava dela, pelo menos mais uma vez.

Agora o foco mudara. Tinha quase certeza: havia encontrado.

“Clarice!”, gritou. Apenas por um detalhe: ao terceiro passo na rua movimentada...não deu mais tempo. Fechou os olhos. Mesmo freando o caminhão o atingiu com toda força.

Mas continuava pensando,é claro. Seria Clarice, ele? Ou ele, Clarice?

Ao retornar àquela rua, Clarice indagou:”Ah, Léo! Aonde está você agora?”

E saiu caminhando.

Fora apenas uma visão? Ou realmente houve, ali, uma troca de autenticidade?

Mariana Rufato
Enviado por Mariana Rufato em 24/09/2010
Reeditado em 13/05/2013
Código do texto: T2516984
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