Espero mas não quero

Nessa noite comum, eu não consigo dormir.

Reviro-me angustiado pela cama, coração inquieto, impaciência e temor.

Pensamentos fulminantes queimam minha mente sem nenhum resquício de piedade.

Olho para o lado e o rádio relógio já ilumina minha cabeceira, reluzindo aquelas seis horas da manhã. Levanto-me sem vontade alguma e vou direto para a cozinha. Sento-me à mesa e encaro meu café da manhã...

Aquele pedaço de pão que em outros dias me mataria a fome, agora não servia nem para olhar, pois a última coisa que queria ver era comida.

Sem tocar em nada, levanto-me e vou ao banheiro. Ligo o chuveiro e deixo que a água quente caia sobre mim, lavando meu corpo mas ainda não lavando meus sentimentos. Sem pressa, me visto e parto para o trabalho. Fecho a porta da minha casa e sem olhar para trás, me dirijo ao ponto de ônibus.

Todas essas pessoas, tão diferentes, paradas e indiferentes...

Uma mulher, de meia-idade, aparenta impaciência ao falar no seu celular, que pelas palavras deve ser seu marido esquecendo que hoje era o dia de levar a filha no médico...

Um rapaz, com sua mochila nas costas, olha ansioso para o relógio até que vê uma garota que vem chegando perto e o dá um beijo, ambos entram em seu ônibus sorrindo...

Um velhinho, bem simpático, com suas rugas de experiência, caminha orgulhoso e sorridente de mãos dadas com sua pequena netinha, que pula feliz chamando por seu vovô...

Meu ônibus estaciona e entro sem olhar para o motorista, em seguida recebo um bom dia vago do trocador e respondo-o educadamente enquanto passo pela roleta. Procuro por bancos e a maioria parece ocupado com pessoas que parecem interagir. Umas conversando com a do lado, umas em grupos de amigos, outras em seus celulares...

Encontro um lugar vago quase perto do fim do ônibus e sento só. Mas, em poucas paradas depois, entra uma senhora dessas que adoram conversar com desconhecidos e tenta puxar papo comigo:

-Meu jovem, você sabe se esse ônibus para perto do shopping?

-Ele para sim.

-Sabia que você parece com meu neto? - Diz a senhora, revelando não estar realmente interessada na parada perto do shopping - Ele é assim que nem você, só é um pouco mais baixo.

Então sorrio educamente para a senhora, que me conta que seu neto está terminando a faculdade, já está estagiando, está bastante feliz com a namorada e que já pretende casar. Ao chegar perto do shopping, a pequena velhinha levanta e agradece a minha atenção e vai embora satisfeita.

Quando o ônibus vai se aproximando do meu ponto, lembro-me que logo mais a noite é o batizado de meu segundo afilhado, dessa vez o primeiro filho de um casal de cônjuges muito querido e que acompanhei o crescimento do amor entre eles desde o início de seu namoro.

Meu primeiro afilhado, filho do meu melhor amigo, já estava com 5 anos. O garoto sempre gostou muito de mim, pois como não tenho filhos, tento sempre agradá-lo como um pai.

Chego no trabalho, cumprimento todos meus amigos e amigas que já estão agitados em seus afazeres, preocupados com seus prazos e suas famílias. Até mesmo aquele amigo, que adorava viver na noite sem se apegar, estava agora preocupadíssimo se sua namorada aceitaria o pedido de casamento que ele faria hoje a noite. E adivinhem que ele chamou para ser padrinho?

Pelo corredor vem meu chefe, visto como carrancudo por todos, e me entrega uma pilha de trabalhos dos outros que estavam atrasados. Ele me diz:

-Meu rapaz, você sabe que é único com quem eu posso contar de verdade, não é mesmo?

Acabando o expediente, parto direto para a igreja onde será realizado o batizado. Todos os familiares do meu casal de amigos estavam impacientes pelo novo padrinho que não chegava, afinal, o trânsito a cada dia se tornava pior. A missa ocorreu de forma muito linda, emocionando todos os presentes. Então, cada um tomou o rumo de suas casas. Meu amigo me abraçou e me agradeceu por ser sempre tão companheiro e sua mulher, e também minha amiga, me agradeceu em seguida por ser tão bom legal com eles.

Peguei o ônibus e tomei o rumo da minha casa. Abri a porta e tudo estava apagado, acendi somente a luz do corredor para chegar no meu quarto. Tirei o paletó e voltei para a cozinha onde a mesa do café ainda estava posta. Abri a geladeira e peguei uma garrafa de água, bebi um gole e a guardei de volta. Mais um dia de trabalho cumprido, amigos felizes, pessoas interagindo.

Voltei para o meu quarto, aquela angústia estava voltando. Sentei na minha cama e deixei que pensamentos me levassem e quando percebi, já estava pensando a uma hora.

Me deitei, sem trocar de roupa, sem apagar as luzes, sem fazer mais nada, uma lágrima caiu pelo meu rosto quando olhei para o lado e vi que estava vazio como sempre. Adormeci.

Eu sempre terei medo da solidão...

Ronaldo Sidão
Enviado por Ronaldo Sidão em 17/09/2010
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