O VENDEDOR

Às 5 horas em ponto, o escandaloso porem competente despertador de Gerson o despertou com aquela algazarra habitual. Ele que sempre teve um sono extremamente pesado, acordou incrivelmente disposto e se levantou bruscamente daquela convidativa cama. Sabia que teria mais um dia árduo pela frente, mas isso nunca o impediu de irradiar seu bom humor que era de longa duração.

Após seu desjejum, deu um beijo cheio de ternura em sua mãe e com sua surrada mochila nas costas e uma caixa de papelão nos braços, repleta de chocolates, saiu disposto em obter mais um dia de boas vendas.

Gerson já era bem conhecido nas linhas de ônibus, pois era através delas que ele vendia sua mercadoria. Devido ao seu enorme carisma, já havia feito grandes amizades, não só com motoristas e cobradores, como também com os passageiros. Sem contar as crianças que o adoravam, pois sabendo ele que sua mercadoria fazia delas seu principal alvo, logo estudou uma maneira de cativá-las.

Ele causava em seus clientes uma ótima impressão, se vestia sobriamente, sempre evitando extravagâncias. Tentava de todas as formas não fazer alarde no intuito de não atrapalhar os passageiros que estavam dormindo. Sua abordagem era mais focada no cara a cara com o cliente. Seu discurso era sua marca registrada. Com todos os problemas financeiros que ele enfrentava, nunca usou de argumentos apelativos para poder convencer seus clientes, muito pelo contrário, ele fazia questão de frisar que se sentia muito honrado e que seu trabalho, embora informal, lhe dava bastante prazer.

Gerson ao adentrar em seu primeiro ônibus do dia, notou que nos bancos de trás havia um homem elegantemente vestido, que destoava dos demais passageiros. Ele atenciosamente observava Gerson com ar de espanto. Seu nome era Carlos, um renomado executivo de uma conceituada agência de publicidade, que estava pra lá de decepcionado com o desempenho dos candidatos a uma vaga para auxiliá-lo e já não se agüentava mais de ansiedade, pois já fazia dois dias de extensas seleções e ninguém o agradava.

Carlos havia passado a noite anterior na casa de Neide, uma de suas amantes. Ele não costuma ostentar sua condição financeira, preferindo assim dar uma de proletariado, por isso acompanhou Neide de ônibus até sua casa.

Estava extremamente desconfortável naquele ônibus com o remorso a lhe roer as entranhas. Mas quando Gerson surgiu, com todo seu talento, Carlos soube que aquela manhã seria diferenciada, e seu remorso foi dando espaço a esperança.

Quando Gerson se aproximou, Carlos não se conteve, sacou do bolso seu cartão de visitas e pediu a Gerson que o encontrasse no endereço que estava mencionado no cartão, às 10 horas da manhã daquele mesmo dia, pois tinha uma proposta irrecusável.

Gerson o agradeceu com a voz trêmula, causada por um misto de surpresa e ansiedade. Em seguida, desceu do ônibus, colocou cuidadosamente sua mercadoria no chão e encostado em uma árvore, se pôs a pensar a respeito daquela proposta irrecusável que ele não fazia a menor idéia do que podia ser.

Foram 15 minutos de devaneios, que foram interrompidos por outro colega ambulante que desceu também naquele mesmo ponto. Após os cumprimentos, o colega percebeu que Gerson estava meio desligado e perguntou se ele estava se sentindo bem. Gerson pensou em comentar o ocorrido, mas preferiu mudar de assunto, dizendo que não tinha dormido bem e que estava meio indisposto. Nesse instante se aproximou outro ônibus e Gerson após se despedir de seu colega, resolveu dar seqüência aos seus afazeres.

Às 09h45min, Gerson já se encontrava na sala de espera daquele luxuoso recinto. Foi quando Carlos se aproximou e o cumprimentou com satisfação. Em seguida, o convidou até sua sala. Após ambos estarem devidamente instalados, Carlos deu início à proposta enaltecendo as qualidades que ele havia acabado de presenciar naquele ônibus, disse também, que em seu ponto de vista, Gerson era um vendedor nato, que tinha a capacidade de persuadir seus clientes de forma auditiva e visual com extrema naturalidade. Por fim, perguntou se ele gostaria de fazer parte daquela empresa exercendo a função de atendente e esporadicamente atuar na área da criação. O salário inicial oferecido era o triplo do que Gerson ganhava nos ônibus. Gerson não se conteve, começou a tremer e a gaguejar sem conseguir formular a resposta, totalmente dominado pela emoção soltou um sim com a voz trêmula e várias lágrimas emergiram de seus olhos sem que as pudesse conter.

Três meses se passaram, quando surgiu repentinamente em um ônibus, um homem elegantemente vestido, que destoava dos demais e munido de uma caixa de papelão, causou extremo alarde.

Sérgio A Silva
Enviado por Sérgio A Silva em 17/09/2010
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