O Caso das Cinco Mulheres
I
- Aquele cara no chão... é teu marido?
Taxista que é taxista sempre sabe como ser agradável, não é mesmo? O marido em questão - com cinco facadas na barriga - era 'marido' de no mínimo 4 mulheres em Porto Alegre, mas ainda se investiga um possível caso em Montevidéu.
- Com certeza, meu e de mais três, canalha, mereceu as facadas, gostaria eu de saber quem o fez. Agora... toca pra Lima e Silva, faz favor.
Trajeto curto, deu 6 reais, mas o taxímetro estava batizado e a dona pagou 10. No caminho o taxista parecia não entender o acontecimento, "ela matou o cara, ele traía ela... se não foi ela, ela mandou alguém, safada, vou te cobrar a mais. Essa vai pro morto"
- Desculpe a indiscrição... mas a senhora não está triste pelo seu marido? Quer dizer... ele estava do seu lado, um cara veio, deu cinco facadas e saiu, a senhora entrou num táxi, quer ir até a Lima e Silva, provavelmente vai tomar uma cerveja, alguma coisa do tipo... Ou foi a senhora que mandou alguém dar jeito nele? Olha minha senhora, se foi você, eu já vou logo avisando, não gosto de gente assim heim? Vai descer do táxi aqui na João Pessoa mesmo, e tu sabe que a redenção é barra essa hora da noite... vai ter que..
- Você fala heim? Cheirou o que? Larga essa paranóia - acendeu um cigarro - toca em frente.
- Tu que sabe... tá avisada!
E a moça desce do táxi e vai direto para um bar. Não está com cara de culpada, já lhe adianto, mas está ansiosa, parece ter algum encontro. O que vocês esperam?
II
Os curiosos já estavam no local. A ambulância tava trancada num semáforo lá na Oswaldo Aranha, ainda iria demorar, dava tempo pra ele perder mais meio litro de sangue. Tranqüilo. Um cara semi-morto não é capaz de entender muita coisa, mas ainda conseguia ver o tumulto ao seu redor. “Que vexame Carlinhos!”, diria Heleonora se o visse, mas ela devia estar tranqüila sentada numa confortável cadeira do Theatro São Pedro. Marina o ajudaria, enfermeira até quando não está de uniforme, mas agora tava ocupadíssima no HPS. Iriam se encontrar daqui a pouco? Não, sexta feira ela saia as 22hrs, até a ambulância chegar aqui, dar um trato no moribundo e depois levar até lá, ela já estaria no seu carro, sentido Zona Norte, indo para seu humilde e aconchegante apartamento no IAPI, provavelmente ia comer um lanche na rua, comprar um livro de cruzadas – ele havia terminado a ultima página do livro dela – e ficar até quase uma da manhã, ou até o telefone tocar, seria ele, “cara, to fudido aqui no HPS, vem logo, to com cinco facas cravadas na barriga!”. Como se consegue um telefone nessa situação? Que mancada Carlinhos!
Os comentários começavam, serviam apenas para confundir a cabeça dele atirado na calçada.
- Tava com uma guria, tipo alto, daí o cara veio, esfaqueou ele e saiu correndo, ele caiu a mulher pegou um táxi e se foi!
- Capaz? Ta mal contada essa história!
- Devia ser acompanhante então..
- Prostituta tu quis dizer? Não, não tinha cara...
- Já ligou pra Zero Hora?
- Vem vindo um carro, acho que são eles!
- A ambulância ta trancada na Oswaldo!
- Mas o carro da imprensa já chegou!
- A Zero Hora não fica muito mais longe do que o HPS? Como que ela chegou primeiro?
- Contatos meu amigo.. contatos...
Contato. Ele precisa de um contato urgente pra salvar a vida dele. Liga lá pro Cláudio. Ele ta no Rio. Então ferrou, procura outro contato, rápido. Tua mulher? Qual? Uma ta num bar, na Lima e Silva. Fudeu. A outra já saiu do plantão, essa altura acaba de entrar na Assis Brasil, vai pro IAPI mesmo. Azar o meu. A terceira ta sentada vendo uma adaptação de Dostoievski no São Pedro, “O Idiota”. Sou eu. E a Glória, nem deus sabe onde está. Sacanagem, e eu na pior. É, azar o teu meu caro. Beleza, até mais. Até.
A ambulância chega e encontra o Carlinhos meio alucinado, parecia falar sozinho. O cara todo de branco parecia sarcástico quando disse:
- Já está delirando, pega a injeção de adrenalina...
- Cadê?
- Como cadê? Deixei aí, eu recém tinha saído do... PUTA MERDA! Acabou!
- Como acabou?
- Lembra aquela velha que se engasgou com um espaguete? Usei nela, e quando voltei pro HPS esqueci de repor...
- Fudeu, o cara ta quase morrendo!
- Peraí.. segura aí!
O cara de branco correu pra ambulância, mexeu no porta luvas. Duas buchas de cocaína, hoje mais cedo, quando tinham ido na Conceição buscar um cara com dois tiros no braço, aproveitou e pegou umas, “pra garantia”, disse ele. Agora ia injetar no cara.
- Adrenalina, adrenalina!
- Tu é louco cara, não faz isso!
- Olha só, vai dar o mesmo efeito..
Tac! Carlinhos segurou firme até o HPS.
III
Na Lima e Silva, ela tomava o quarto chop. Seria sacanagem o que a Glória estava fazendo? Era pra estar aqui fazia meia hora. Desse jeito ia melar a coisa toda. Silvana começou a ficar levemente bêbada.
- Tem horas?
Glória chegou por trás.
- Onze e meia!!
- Filha da puta!
Mas pelo menos ela estava ali, sendo filha de quem fosse. Contou todo o lance, disse que o Carlinhos ia morrer, ninguém segura cinco facadas na barriga. Mas a policia tava por perto, mais cedo passou, o policial ficou encarando ela, mas ela abriu as pernas, tava de saia, ele olhou a calcinha e foi embora.
- Bem sacado...
E a Glória também tava sujeira, falou que o guri que deu as facadas foi pego logo depois, não sabe ainda se vai abrir o jogo, mas é bem provável. A situação ta difícil.
- Liga pras outras e diz que vamos pro Uruguai. A Laís ainda ta por lá?
- Acho que ta. Deve estar, se não estiver nós ficamos. Sabe como encontrar ela?
- Sim, ela tem uma espelunca.
IV
Telefonemas feitos e as quatro seguiam pra Montevidéu. Será que ta frio lá?
V
- O piá disse que a Glória mandou.
- Ah! Sabia, deve ser porque eu não paguei a..
- Não é nada disso.. isso é trabalho dado! Elas queriam te matar faz horas..
- Elas?
- Claro! Não te faz! Tu sabe que elas se conheciam... ou não sabe?
- Então fudeu mesmo! Cara, tu sabe onde elas estão?
- Uruguai, ta fora da nossa área.. não podemos fazer nada!
- Uruguai? Caralho, até a Laís!
- Mais uma? Folgado!
Ia ter mesmo que ligar pro Henrique, avisar todo pessoal do Uruguai. Matar as cinco! Matar todo mundo. Matar até a mãe do Badanha!
VI
Lá estavam as cinco reunidas no Uruguai, esperavam por Henrique, e os outros companheiros. Haviam combinado por telefone de fazer uma festa sabe se lá aonde. Sabe se lá com quem. Mas iriam morrer.
Henrique era o cabeça do grupo, o mentor. Uruguaio grosso, matava mesmo. Convocou os caras, todos estavam sabendo do que elas tinham aprontado. Tava beleza já.
VII
- Oi pessoal, quanto tempo né? Trouxe todo mundo, que beleza!
- É. Escuta, podemos entrar aí? Queremos te mostrar uma coisa!
- Oba, surpresa! Ta legal, entra aí...
Surpresa? Cinco tiros em cada?
Henrique ligou pro Carlinhos, tava tudo limpeza, tudo ok. Podia descançar..
VIII
Descançar? Tava indo pra casa da enfermeira que o cuidou, mais cedo esteve com a médica. A o Carlinhos sabe aproveitar a vida! Mal matou suas ultimas cinco amantes, quer dizer, mandou Henrique matar, mas ta ok, e já está com mais duas na conta! Esse é o cara.
IX
- Esse é o cara?
Perguntou Lucio Flávio, forte, assassino cruel. Não errava.
- Sim!
Responderam em coro a enfermeira e a médica.