VENDO A VIDA PASSAR



     Quando ainda era menino apressava o passo voltando da escola. Deixava os cadernos sobre a cama e se apressava a chegar ao barranco para ver o trem passar. O coraçãozinho palpitando forte, os olhinhos brilhando, a contemplação simplesmente absorta.

     Virou mocinho com aquele mesmo interesse pelo trem que, empoleirado no mesmo barranco, via passar todos os dias. Encantavam-lhe os vagões seguindo em velocidade uniforme, contorcendo-se como enorme lagarta, rangendo, levando as luzes que lhe davam graça ao corpo prateado.

     Avançando.

     Sempre avançando em direção à noite escura.

     Envelheceu.

     Agora é mais difícil caminhar, mas caminha e encontra-se a olhar o trem passando como sempre passou ao escurecer. Planta-se no barranco sem se dar conta de que está ainda sentado no chão. Agora as experiências da vida lhe dizem que seus olhos não visualizam apenas uma composição férrea. Contemplam vidas que se fazem transportar em busca de seus propósitos. Vidas que indo no trem passam por ele sem se quer suspeitarem que ele existe e que se apressa para contemplá-las.

     A vida está passando. Sem ser notado, ele passou a vida inteira correndo errado. Vendo a vida passar.

Lucas Menck
Enviado por Lucas Menck em 15/09/2010
Reeditado em 01/10/2010
Código do texto: T2499240
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