Fragmentos da Lucidez (Um Grito de Liberdade)
Acordei em um lugar estranho; um quarto bagunçado, com fotos e fatos jogados pelos cantos. Acordei na hora errada, pois minha vida já havia partido; então fiquei só. A luz de um dia nublado entrava triste pela única janela do cômodo, cobrindo tudo com um tom de cinza. Olhei a janela de longe. Molduras de madeira com tinta descascada e vidros empoeirados. Hesitava em me aproximar mais dela, em sair de onde estava e encarar o que havia lá fora.
Tentava outra vez dormir quando bateram à porta daquele quarto. Batidas desesperadas, mas não havia voz. Nenhuma voz pedia ajuda, ninguém gritava por socorro. Nada, apenas as batidas ocas que começavam a diminuir de ritmo. Disse para que entrasse, e ela abriu-se devagar, como se fosse empurrada lentamente. E qual não foi minha surpresa quando, totalmente aberta, vi que não havia ninguém lá; apenas uma sobra que lutava contra a luz cinza de meu quarto para poder passar pelo umbral da porta.
Havia um copo de água e uma arma ao lado de onde havia dormido. Tentei beber, e na outra mão segurei firma o revólver. A água era de um gosto amargo, de desesperança, desistência. Mas bebi tudo, não deixei uma gota sequer. De onde estava, olhei outra vez para a janela e seu vidro empoeirado pelo passado. Sorri quando consegui levantar a arma e apontar para a janela. Vi o martelo esgueirando-se para trás enquanto o cilindro girava para deixar a próxima bala alinhada no cano. Ri alto enquanto os estilhaços de vidro pipocavam no chão de madeira. Então o ar, novo e fresco, tomou o quarto de assalto, uma onda após a outra. Ondas cheias de vida, talvez. Respirei fundo três vezes e caminhei para ver o mundo que nem lembrava mais como era. Quando dei por mim, já saía daquele quarto. E, desta vez para minha surpresa, alguém esperava do lado de fora com um sorriso e palavras doces.