Naquela saleta quieta, onde cada um se preocupa em não si mostrar,escondendo a própria realidade e sentires... a preocupação, da maioria dos que ali estavam era com o tempo... vez em quando, olhavam os seus relógios demonstrando inquietação, desejosos de serem atendidos, com brevidade.Por certo, depois disso,sairem correndo, sem um “até logo,” rumo as suas prisões sem grades, ou “à liberdade vigiada”. Preocupados no diagnóstico do corpo, sem se importarem com suas essências...
Em silêncio... observava, discretamente,cada um.
"A observância, é uma faculdade e cada ser é uma descoberta. Amo, captar essências".
Quantos entravam olhando para o alto, ignorando o próximo...Outros, saíam mudos, ou olhando para os pés.
Observei, a mulher, ainda jovem, bela mulata, acompanhada por um homem idoso,grosseiro no se expressar... Ríspido, pediu os documentos da esposa, que ao lhe entregar, quase ficou sem os dedos, tamanha grosseria daquele homem. Certamente,um dia, soube ser gentil e agradável, para conquistá-la... Afinal, aquela jovem senhora confiou-lhe o corpo, e à vida.Teve sonhos dourados que, infelizmente, transformaram-se em tenebrosos pesadelos.
Pensei: – Deus! Como serão os momentos íntimos desse casal?
Chamou-me a atenção, o fato de ela manter serenidade...diante do terrível tratamento do esposo. Ela se asentou, pertinho de mim...sorriu timidamente, com um leve cumprimento. Os seus olhos, não tinham o brilho da alegria.
Ele - o marido - procurou se distanciar, acomodou-se na saleta ao lado.Calmamente, ela retirou um caderninho da bolsa e começou a escrever... mergulhou naquela escrita, por longo tempo. Parou, fechou o caderno, e o colocou ao seu lado.
A recepcionista me chamou para assinar uns documentos, e na volta, a mulher não mais estava na sala. No lugar, que ocupara ficou o caderninho.
Perguntei na recepção sobre o casal, quis saber se seria possível ter como devolver, o que percebi, ser um tesouro, para aquela senhora. A recepcionista falou, que saíram de repente, o homem se irritou, por não ser atendido logo, puxou a mulher pelo braço e foram embora... Busquei encontrar algum dado da mulher, para efetuar a devolução, em vão. o nome, endereço, telefone, nada encontrei. Voltei a perguntar a atendente, se ela poderia me fornecer o endereço ou o telefone do casal, para que eu pudesse devolver
– Não! É contra as nossas normas...
– Não quis ir adiante.. simplesmente, eu disse: "caso ela volte e, procure o seu pertence, lhe autorizo a dar o número do meu telefone, diga que estou com ele..."
– Coloquei-o na minha bolsa. Como entregá-lo, em confiança, a quem não confiou em mim?
Chegou a minha vez, fui chamada para os exames de rotina. E, na volta à casa, a imagem daquela senhora continuava em minha mente.
Em casa procurei, com mais calma, alguma coisa que identificasse a dona do caderninho... Em vão!
Na busca, li um título que me chamou a atenção: “Cobrança indevida.” Não me contive, li o que, constatei ser uma poesia existencial:
"Uma vida inteira juntos...
Metade da vida... menos da metade,
cada um.., sendo um.
Para ele, a casa virou hotel... eu, a governanta:
Casa limpa, mesa posta, roupa lavada..e, umas rapidinhas...que não me dizem nada!
Para mim, o seu menor gesto – pensa ele ser carinho –,leva-me ao desespero.
Repúdio.. minh’alma rejeita!
Pensar que um dia... o quis!
Para onde foi o amor?
Será que cheguei a ser feliz?
Em qual momento houve a ruptura?
Foram tantos atritos... rachaduras..!
Navalha na carne e ela esfacelada
... E, aquelas mãos...golpeando-me o rosto,
e, fazendo-me árida!
Ainda me cobras?"
– Que lindo!
Escritos intensos.. d'alma sofrida!
Renúncia de uma vida.
Quantos destes existem nos fundos das gavetas? Alguns largados, esquecidos, como se esqueceu a vida.
Dois anos se passaram...Tornei-me herdeira de um tesouro. E, àquela mulher - quase morta - perdeu su'alma!
EstherRogessi. Escritora UBE. Mat. 3963. Miniconto:Cobrança indevida. Imagem Web,arte por EstherRogessi.12/09/10