RECHEANDO ABOBRINHAS

Eu já a conhecia há alguns anos, e uma de suas tantas histórias me inspirou a presente escrita, a qual, carinhosamente, dedico a todos os homens e, principalmente, a todos os maridos.

Dona Carmela, filha de imigrantes e antiga moradora da Móoca, ainda era muito jovem quando se casou.

Tivera o privilégio de sempre estudar e embora vinda de família muito conservadora, não era lá muito habituada aos afazeres domésticos.

Naquela sua comunidade italiana, mulher era mesmo criada para ser esposa e mãe, porém, desde criança, dona Carmela sonhava mesmo era com algo bem a frente daquele seu limitado tempo.

Aquela coisa de mulher ficar sob as rédeas dos maridos, patriarcas italianos soberanos do todo, lhe parecia algo apertado demais.

Fechava os olhos e se imaginava atuar naquilo que escolhera ser: jornalista.

Saíra de casa para a universidade, porém de lá partiu para o casamento, aonde, de toda toda sorte, se via vez ou outra com o tanque de roupas, com as panelas no fogão, com o supermercado, com os banhos das crianças e com administração da empregada, afora o relógio a lhe cobrar a pontualidade "britânica" em tudo... dentro e fora de casa.

"Coisas que sempre pertence às mulheres", pensava ela resignadamente.

Contou-me que a primeira vez que a empregada chegou à sua casa, um mês após a sua lua- de- mel, foi ela, a paciente Maria, quem lhe explicou minuciosamente quais os mínimos utensílios que uma profissional do lar necessitava ter para executar suas tarefas domésticas.

"Dona Carmela, preciso de vassouras, panos de chão, palhas de aço, detergentes e um bom sabão em pó, senão não dá!".

Sentiu-se meio perdida, mas tratou de providenciar o que aquela "exigente" empregada lhe pedia.

O tempo passava correndo entre um afazer e outro e dona Carmela sempre procurava se esmerar em aprender o que não dominava muito: O FOGÃO. Tinha boa vontade, tal fato era indiscutível.

Genaro, seu marido, era alguém distraído pelo entorno e de difícil lida no paladar.

Limitava-se ao trabalho extenuante, e só.

Não havia nada da comum ou até exótica gastronomia italiana que agradasse o tal do Genaro.

E dona Carmela queria estimular a contento aquele estranho e exigente paladar do marido Genaro.

Esforçava-se há muitos anos para tal, mas só ela conhecia seu imenso esforço.Livros de receita, ingredientes mais finos, comida mais balanceada, e nada! Nem um elogio do seu Genaro, de paladar turrão!

Era um italiano que não gostava de macarrão, nem de porpetas, ambos quitutes que já eram do domínio da dona Carmela.

Depois de muito esforço culinário, aulas livros, receitas de cheffs, fazia uma porpeta como ela só!

Todos elogiavam: os amigos, os filhos, os sobrinhos, os parentes mais próximos, até o porteiro do prédio com as quais, certa vez, ela o presenteou ...mas nem um elogio do enjoado do seu Genaro.

Porém, seu metódico marido adorava frequentar restaurantes!

Queria ver o homem feliz era colocá-lo dentro dum mesmo restaurante árabe, aonde sempre pedia aquelas abobrinhas recheadas de carne moída com uma guarnição de arroz sírio, e que dona Carmela já não as aguentava mais!

Porém nunca sequer se manifestou a respeito, pelo contrário, ficava até feliz em vê-las e analisá-las minuciosamente sobre o seu prato, afinal ali estaria a brilhante oportunidade de aprender algo que Genaro gostava. Não havia mais dúvida: Genaro gostava mesmo é de abobrinhas recheadas!Ninguém poderia duvidar. Havia anos que o seu Genaro não pedia outro prato.

Então, dona Carmela foi à luta: conversou com o garçon, com o cheff, pegou a receita, todos seus segredos de culinária, e os respectivos endereços para os ingredientes e para o maquinário exigidos pela sua futura obra gastronômica.

Aquilo teria que dar certo.

Tudo pronto, depois de meses de treino, no dia da surpresa ligou do seu trabalho para o seu Genaro:" Genaro, meu marido, se prepare que hoje o jantar será surpreendente!".

Achou muito difícil furar as tantas abobrinhas com aquela máquina que mais parecia um "tatuzinho". Porém, o "hábito faz o monge", e dona Carmela já se sentia mais perita para furar abobrinhas, do que os profissionais que furam o asfalto.

Nunca soube o que Genaro pensou sobre aquela sua surpresa. Será que ele percebera sua animação?

Naquela tarde saiu mais cedo do trabalho, passou na floricultura, comprou Gérberas vermelhas, e um dia antes pediu para a empregada

engomar e alisar a toalha de mesa de linho da Madeira, polir as pratas, lavar os cristais e preparar um vinho Cabernet.

Também preparou-se a si com esmero e acendeu a iluminação indireta do aposento .

Pulverizou o ambiente da sala de jantar com lavanda, cuja essência de flor logo mais já se mesclaria ao odor quase afrodisíaco das abobrinhas ao forno, recheadas de ricota, carne e alcaparras, cobertas ao sugo de manjericão, pulverizadas com a delicadeza de porções levemente derretidas de mussarela de búfalo.

Ali tinha um pouco da inovação culinária da "expert" dona Carmela, claro, aquela pitada profissional de requinte que todo cheff de cozinha tem que ter!

Quando ouviu as chaves do seu Genaro na porta, o recebeu de sorriso largo com o Cabernet nas taças.

"Que tal, Genaro meu marido? Sentes o perfume?

Esperou por algum comentário, e nada!

E terminou suspirosa, a relatar-me que seu Genaro foi até a cozinha, abriu o forno, puxou a assadeira com displicência e lhe exclamou:

-Cáspita Carmela, não sabes tu que odeio abobrinhas, mulher?