Zezinho na loja de informática
Antes de querer ser presidente, mas muito antes mesmo, Zezinho não sabia muito o que fazer da vida. Lia "O Globo", assistia Jornal Nacional com Sid Moreira, assistia a primeira versão de A Grande Família e Irmãos Coragem, em preto e branco. Agora, já mais crescido, já se sente qualificado e, com tantas informações úteis adquiridas na infância e juventude, já pode entrar sozinho em uma loja de informática fazer compras.
Ao entrar no simpático estabelecimento, anunciado pelos sinos dos ventos, que tem o dever de espantar maus espíritos, isso de acordo com a mitologia chinesa, aqui no brasil se fala de colocar os sinos entre duas janelas para melhorar o fluxo aéreo - entretanto, nem se menciona que ele não melhora o fluxo de ar, apenas fá-lo perceber que o ar está em movimento, pois, esta força da natureza é invisível, porém não intocável - foi recebido por uma bela vendedora loira. (Nem precisava dizer que era bela, pois, hoje em dia, qual patrão não escolhe os funcionários pela aparência? - Também não entendi o hoje em dia, sempre foi assim - Aliás, nem precisava dizer que era loira, pela pergunta que fez: "Em que posso ajudá-lo?" No que o educado Zezinho, criado com avó, retruca: "Atendendo-me").
Dispensando a ajuda da vendedora, foi direto ao balcão e pediu, diretamente, do jeito que ele sempre gostou, sem rodeios e arguições: "Dez cd´s de música". "Como?". "Vou querer dez!". "Sim, já sei que são dez, mas dez o que?". "Cd´s de música". Ele não sabia que pedir cd virgem era mais fácil, só por isso se enrolou um pouco, perdendo uns dez minutos, um para cada mídia.
No que se entenderam. "Sessenta centavos, dá, ao todo, seis reais". "Ah, cartão? Tá". "Débito?" . "Tem identidade?". "É só rotina, não se preocupe!".
Então, o cortês Zezinho, pergunta solenemente, sobre os plásticos para embrulhar os cd´s. Pasmou ao ouvir a resposta do vendedor. Este disse que receberia um plástico por compra e que ele só poderia liberar um, embora Zezinho estivesse levando dez mídias. Lembrou-se do árduo dia que teve e sentiu vontade de chorar, mas, se conteve. No momento de passas o cartão, já no caixa, a funcionária, ainda mais simpática que todos os outros, bufa: "No cartão são sessenta e seis centavos."
Já com vontade de quebrar tudo, Zezinho pensa em suas campanhas e se controla, afinal, em momentos de tempestade, político bom é político quieto. Mas, em sua poderosa arma cefálica, mirabola um infalível e diabólico plano (não no pleno sentido da palavra, já que é um respeitador dos direitos pela liberdade religiosa) que irá frustrar com os planos dos vendedores de estragarem seu tão problemático dia.
"Não quero comprar no cartão, pagarei no dinheiro, aqui está". "Senhor, não temos troco para cem, tem menor?". "Sim, o cartão, mas só se for a sessenta centavos, como me falaram antes". "Não podemos, é ordem da diretoria". "E quanto a me darem dez envelopes plásticos?". "Fora de cogitação, eles contabilizam os envelopes de acordo com a quantidade de notas de venda". "Então, está me dizendo que, se eu vier aqui nessa joça umas dez vezes, vocês me darão, dez envelopes, e, contudo, não posso, em uma única compra, levar os mesmos dez envelopes e ainda tenho que pagar mais caro por isso?"
Nada poderia ter irritado mais nosso carismático Zezinho do que o que se seguiu. A resposta alegre: "Sim!" (Parece que esse povo sente realmente satisfação quando alguém perde uma perna)
De diabólico, seu plano passou a ser "Lulífero". Saiu da espelunca, sem perder a razão, mantendo a dignidade heróica no semblante, acompanhada, porém de uma espécie de orgulho ferido que almeja ser resgatado por um preço que ele mesmo poderia pagar. Peitos estufados, respirando pelo diafragma, técnica desenvolvida em seus muitos anos de estudos ao Saxofone Tenor, ouviu ao fundo os murmurinhos e o som sibilante dos sinos dos ventos.
Trocou suas notas mais baixas por moedas de dez e de cinquenta e, ao retornar a ouvir o som dos sinos, estava ouvindo também sua voz dizer que gostaria de levar um cd apenas. Este fora embalado e pago com uma moeda de dez e outra de cinqüenta. Passa pela loira, olhar desconfiado, sino dos ventos. Dez segundos. Sino dos ventos, loira sorrateira, corredor balcão. "Dê-me mais um, por gentileza." Pede o senhor Zezinho, o Educado. A retribuição veio da mesma forma que o outro. Corredor, loira sem graça, sino dos ventos, cinco segundos, sino dos ventos, loira confusa, corredor e balcão.
Assim, por dez vezes, nosso persistente Zezinho pagou sessenta centavos por cada cd e ainda conseguiu um envelope plástico para cada um. Só havia um problema: não lembrava pra que desejava os cd´s.