Desencontros - Parte 1 - Brasília

Algumas pessoas têm a vida cheia de aventuras, episódios fantásticos, reviravoltas mirabolantes e fatos incríveis. Outras têm vidas chatas e monótonas nas quais nada acontece, todos os dias na mesmice, que dá até vontade de correr nu na rua, para fazer algo de diferente.

Minha vida não foi extraordinária, mas também nunca tive motivos para correr nu pela rua.

Nasci, vivi e morri, como todo mundo, tive amores e desilusões, sucessos e fracassos, ganhos e perdas, encontros e desencontros...

Pronto! Eis aí um bom tema para minha autobiografia: os encontros e desencontros em minha vida.

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Nasci na cidade de Feira de Santana, na Bahia, mas, tão logo que nasci, me mudei para a capital. Até hoje não conheço minha cidade natal.

Minha infância não teve muitos episódios dignos de entrar nessa biografia.

Quando eu era pequeno, eu quase matei meu pai... de dor. Estávamos jogando bola e, numa tentativa frustrada de chutar a bola, eu, sem querer, acertei o órgão íntimo do meu pai.

Bom, também teve uma vez que eu briguei com meu irmão na rua, e bati a cabeça dele contra o meio-fio algumas vezes.

Não posso me esquecer da vez que meu irmão andava alegre e saltitante pela beira da piscina, e eu o empurrei para dentro dela, ele simplesmente imergiu, e não voltou, pois não sabia nadar. Meu pai o resgatou nas calmas águas da piscina e eu fiquei de castigo.

Acho que isso é o suficiente sobre minha infância obscura. Vamos ao que interessa.

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Aos dezessete anos, vim para Brasília fazer o curso de direito na UnB. Deixei a família, os amigos e os amores em Salvador e vim morar com meus tios na capital federal. Sofri nas primeiras solitárias semanas, mas logo me enturmei na faculdade, e me adaptei ao ritmo de vida da capital.

Me formei aos vinte e um anos, e passei num concurso no MPF, mas isso é irrelevante para esta história.

Na faculdade, reencontrei um conhecido meu de Salvador, Martin, que veio fazer o curso de medicina aqui em Brasília. Não éramos muito íntimos lá, mas aqui tornamo-nos muito amigos. Saíamos para bibliotecas, festas, bares, ou apenas para vagar pelas ruas desta cidade. Numa dessas festas eu conheci Carolina, uma bela sergipana do interior que conquistou meu coração desde a primeira vez que a vi. Era morena, de estatura mediana, mais magra que gorda, belos olhos castanhos, simpática, muito inteligente e sincera.

Passei dias de tristeza sem vê-la. O humano tem disso, de se apaixonar perdidamente e achar que não pode viver sem aquela pessoa, sem nem ao menos conhecê-la. Idealizá-la, achar que ela é a pessoa da sua vida, sem sabem coisa alguma além de seu nome. Mas então, retomando ao que estava falando, passei dias de tristeza sem vê-la, até esbarrar com ela na faculdade, e descobrir que ela estudava letras lá na UnB. Meu coração se encheu de alegria, e eu me senti um homem pleno e realizado, quando a vi lá, depois de mais de um mês sem vê-la. Doce ilusão da juventude, achar que apenas uma pessoa é suficiente para preencher plenamente sua vida.

-Oi, Carol, lembra de mim?

-Sim, Casimiro. Como você está?

Senti vontade de dizer tudo o que sentia por Carolina, o tanto que sofri sem ela por perto durante todo esse tempo, mas decidi que seria melhor ficar quieto sobre isso, para não assustá-la, e deixar acontecer devagar. Ou apenas senti vergonha mesmo.

-Estou bem. Não sabia que você estudava aqui, fiquei contente por te encontrar aqui hoje.

-Também estou feliz em te ver. O que você faz aqui?

-Eu sou estudante de direito. E você?

-Eu estou fazendo curso de letras.

-Você está ocupada agora? Se não, vamos passear pelo campus, pois não tivemos oportunidade de conversar direito naquela festa... Só se você não estiver ocupada, claro.

-Não estou. Vamos passear então.

-Você se mudou para cá há muito tempo?

-Na verdade, não muito. Vim há quatro anos, quando estava entrando no ensino médio, por causa de uma promoção do trabalho do meu pai. Você se mudou este ano, certo?

-Sim. Vim para cá tentar o vestibular de direito, e acabei passando. Quando você se decidiu por letras?

-Eu não gostava muito de ler, tampouco escrever, quando era menor. Ao me mudar para Brasília e entrar no ensino médio, conheci escritores como Machado de Assis, Álvares de Azevedo e Érico Veríssimo, e me apaixonei pela literatura e por nossa língua. Além disso, tive um professor de gramática que me ensinou que estudar a língua pode não ser tão entediante afinal. Conhecer a fundo as regras, vocábulos, expressões e particularidades da nossa língua ajuda a expressar-nos melhor, e até a entender melhor o que pensamos ou sentimos.

-Realmente interessante. A linguagem é um elemento da comunicação preciosíssimo que possuímos. Sem a linguagem não conseguiríamos viver em sociedade, nem conosco talvez, porque não conseguiríamos nos comunicar com nosso interior. Seríamos piores que os bichos, que vivem segundo os instintos, e buscam alimentos quando têm fome, água quando têm sede, e a cópula, quando têm vontade, pois estes pelo menos se comunicam com os outros bichos e com o meio, se utilizando de gestos e sons, para demonstrar carinho, raiva, ou superioridade. A linguagem está presente até nos pequenos gestos que fazemos, como um franzir de sombrancelhas, uma piscada, ou um sorriso.

Ao ouvir o que eu disse, Carolina não pôde conter uma risadinha, muito bela, por sinal. E disse, num tom provocativo e dobochado:

-E você, escolheu direito para mudar o mundo?

-Já houve uma época em minha vida que eu achei que mudar o mundo seria tão simples assim. Mas vejo, hoje em dia, que não dá para uma pessoa mudar o mundo. mas quero fazer minha parte. Pode parecer um pouco romântico, mas é por isso que eu quis fazer direito.

-Está ficando tarde, retirar-me-ei agora. Até amanhã, Casimiro.

-Até, Carolina.

Doce juventude. Fiquei tão bobo por causa daquele momento a sós com Carolina, apesar de apenas termos conversado pouco. Dormi naquele dia como não dormia há muito tempo. Desde que... conheci Lorena. Mas pensei que ela era uma página virada. Apenas pensei.