Silêncio

Aquele repórter. Fizera bem em falar tudo àquele repórter? E que sujeito engraçado, meio esquisito até. Uma calça de sarja braça, aquela camisa horrorosa, meio lilás, por dentro das calças, o sapato preto, a pochete. Se bem que se sentia mais aliviada, mais leve. De alma lavada. Deu até capa. Uma foto sua, deitada, professor Régis desfalecido, em meio ao sangue. Que horror! Não esperava tanto.

Não saía da cabeça de Clarice, há 3 dias não dormira. Uma insônia lhe atormentava, não conseguia sossegar suas pernas. Deitava, ligava a TV, Jô Soares, desligava, virava de um lado, para o outro, levantava. E assim seguia a madrugada, todas madrugadas melancólicas, longas. A morte do professor Régis, o divórcio, as fortes enxaquecas, as crises de choro. Já devia ter largado a tempo o marido, aquele traste. Devia ter deixado morrer na sarjeta, pobre, feito um moribundo. Há muito tempo que ele estava desconfiado da traição dela com o professor, ameaçando até. Se ele soubesse, há se soubesse. Ele, um calhorda, perdido em jogos, mulheres e más companhias. O professor, um legítimo galã, educado, inteligente, belo. Mas tinha no meio disso tudo sua filha, que merecia zelo.

Quem matou o professor? Logo ele. Porque Deus foi logo agora tirá-lo de sua vida, ela que dele tanto precisava. Desconfiara daquele carro branco de vidros negros que há alguns dias rondava a faculdade, e daqueles homens que tiveram algumas vezes ali, na secretaria do Direito pedindo informações. Sujeitos esquisitos, mal encarados. Um negro, alto, forte, de bigode. O outro magricelo, olhar torto, meio alemão, com cicatriz perto da boca. Desconfiara também do seu marido, seria o mandante? Descobrira de tudo, das noites de jantares românticos a luz de vela e sexo e juras de amor, enquanto ele se debruçava e perdia todas suas economias em mesas redondas de jogatinas? Também era plausível de desconfiança. Homem traído perde a cabeça. E o homem só dá o real valor à mulher na perda, quando sente que ela está se recostando e sussurrando e soltando uivos de prazer no ouvido de outro. Ou então aquela advogada da qual Régis teria arruinado a vida, processado e ganho 300 mil reais no mole. Mereceu, aquela loira. Toda posuda, toda cheia de si. Linda, aquela loira. Mas perigosa, muito perigosa. Cobrava propina de políticos corruptos, assassinos, ladrões e traficantes. E era dinheiro alto, uma bagatela. Defendia os mal-feitores e cobrava uma mesada alta, depois do trabalho já feito, pra não dedurar, pra não entregar para a polícia federal toda a verdade. Uma legítima estelionatária, das boas. Engana a todos. Carinha de santa, linda feito uma boneca, andar provocante, roupas justas. Se enganam, os babacas. Régis fez só seu papel, como advogado, como cidadão. Quantos ajudou? Precisava acabar com aquela sacanagem. Precisava por um ponto final naquela história. E foi o que fez. Processou a loira, ganhou e recebeu. Ela olhava, no tribunal, com um olhar de vingança para Régis. Até prometeu se cobrar. 300 mil é muita grana mesmo. Como era o mesmo o nome dela? Maria? Maria? Mérian? Nome engraçado o dela. Seria um nome polonês? Turco? Mas também ela deve ter ganhado muita grana com suas sujeiras. Seria ela a mandante do crime? E aquele repórter? Meio atrapalhado, meio insosso. Chegou à faculdade, meio perdido, fotografou, entrevistou e capa! Devia ser importante aquele repórter. Devia ser o mais importante de todo o jornal. Um editor-chefe? Agora lá, Clarice exposta. O marido, ou melhor, o ex-marido, essa hora estaria bêbado em algum bar das noites bohemias da cidade, o filho com a avó, choroso, e ela ali, sozinha, desesperada. Tinha um sentimento de perda, de saudade do professor Régis. E aqueles tiros? Hoje em dia mata-se por pouco menos de nada.