Estou de mudança: Limpando gavetas, organizando armários.

Hoje estou de mudança e comecei a embalar as minhas coisas.

Minhas gavetas e armários estão abarrotados, penso que fazia muito tempo que não os abria.

Quando abri a primeira gaveta levei um susto. Um ressentimento que estava guardado, insistia em saltar para fora e impregnar o ambiente com seu mofo. Mais que depressa, o joguei no lixo. A gaveta parece ter se esvaziado, mas percebi que ainda tinha muitas coisas inservíveis e prejudiciais. E comecei a encher uma lixeira. Tinha desconfiança, mágoa e até inveja, coisa que eu nem acreditava possuir.

Numa outra gaveta, existiam muitas coisas. Velhos extratos bancários que não servem pra nada, saudade de amores mal resolvidos, receitas médicas antigas que não vou usar mais, além de coisas estranhas, como lembranças de troca de insultos no trânsito. Curioso como essas coisas enchem gavetas. E olha que sou de boa, não me estresso facilmente no trânsito.

Numa terceira, tinha algo enorme, nem sei como cabia lá. Era a mágoa de um grande amigo, que me senti traído por ele. Então me afastei, sem lhe comunicar os motivos. E perdi muito com isso. Ele segue seu destino, hoje está feliz, que eu sei, tem filhos, que na época não os tinha. Não sei o que fazer. Terei de morder meu orgulho e falar com ele. Esmurrá-lo, se for o caso, mas fazer a pazes. Com ele e comigo. Ou então manter essa gaveta atulhada com isso. O que definitivamente não quero mais. Hoje eu sei que esse peso é meu, não dele.

Em um armário ao lado, tem desentendimentos profissionais, frustrações, realizações tolhidas, invejas de colegas incompetentes. Incompetências minhas... Tudo está guardado, eu nem lembrava mais disso. Mas está lá, intactos e prontos para envolver-me, como se fossem teia de aranha. Direto pro lixo.

Percebo que se não fosse essa mudança, esse abrir gavetas e armários, essa montanha de coisas inúteis e prejudiciais ficariam me rodeando por muito tempo ainda. Mas felizmente estou aqui a desengavetar tudo, encaixotando e embalando o que é bom e descartando verdadeiros “entulhos” pessoais.

Já numa outra gaveta do criado mudo, ao abri-la encontrei uma coisa maravilhosa, que estava esquecida: Um papel de bala que meu filho caçula dobrou cuidadosamente e deu-me de presente, a muito tempo atrás. Também vejo um punhado de bons livros, que me emocionei ao ler. Um dele, presenteado no meu aniversário, por um casal de amigos.

Encontrei também um frasco de perfumes, que ao abri-lo, senti um aroma maravilhoso exalando e enchendo-me as narinas, os pulmões, a mente e o coração. Olha uma lembrancinha de uma festa de aniversário de criança! Encontrei uma tira de gravata, que comprei de um noivo amigo meu, na festa de seu casamento. Após este casamento, além do amigo, ganhei uma grande amiga. Tempos depois, um amiguinho pimpolho maravilhoso e sorridente juntou-se a eles. Fazem parte de minha reserva emocional. São pessoas que me fazem sentir importante.

Encontrei uma foto de meus pais e alguns irmãos, na noite de minha colação de grau. Eu ali de beca, parecendo um rei, era o centro das atenções. Confesso que foi uma noite que nunca mais esquecerei. E lembrei de meus pais, que não os vejo todos os dias, pois moramos a uma boa distancia, em cidades diferentes. Hoje já mais idosos, mas um casal maravilhoso, que se completam. Na verdade se tornaram uma só pessoa faz muito tempo.

Pena que ainda não tive como imitá-los no seu exemplo de união, apesar de algumas tentativas. Mas continuo tentando. Quem sabe um dia isso me acontece também.

Revirando essas gavetas e armários, percebo que tenho mais coisas boas e preciosas que os entulhos a serem descartados. Percebo finalmente que tenho muito mais coisas a preservar que descartar.

Hoje estou de mudança. Muitas coisas serão descartadas, muitas coisas serão limpas e colocadas em lugar de destaque, estavam esquecidas. De certo, vou levar comigo meus amigos, minha família, meus livros, minhas panelas, que embora já meio surradas, me permitem preparar pratos deliciosos.

Também uma garrafa de vinho me acompanha. Estava guardada para uma boa ocasião. E esta acaba de chegar. É hora de brindar a nova vida, as gavetas menos entupidas de coisas inservíveis e as coisas boas limpas, lustradas e reorganizadas.

Está sendo uma mudança dolorosa, de desprendimento, de libertação de vícios e fortalecimento das coisas importantes e que estavam esquecidas. Não sei como consegui isso. Mas enfim, estou de mudança. Talvez demore muito ainda, talvez não consiga me livrar de tudo que seja necessário. Me vejo apegado demais a algumas futilidades, mas tenho a consciência que preciso abrir mão. E vou conseguir. Preciso estar totalmente livre, para cuidar melhor das coisas importantes. Como por exemplo, visitar um amigo que a muito não o faço.

E convido você para brindar comigo essa mudança. O vinho é bom, foi presenteado por um grande amigo a algum tempo “É para uma boa ocasião”, disse ele. As taças... Bem não sei onde estão, faz muito tempo que não as uso. Devem estar encaixotadas em algum lugar. Mas tenho copinhos de extrato de tomate.

Tim-tim!

Faria Costa
Enviado por Faria Costa em 02/09/2010
Reeditado em 02/09/2010
Código do texto: T2473865
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