Casamento de risco
A vida é mesmo engraçada, né? Como uma escolha muda tudo na vida da gente. Eu fui feliz e não sabia. Deveria ter acreditado naquele ditado, “faça apenas o que seu coração manda ”. Pois é, agi pela razão e agora sofro por isso. Você não tá entendendo o que eu estou falando, não é? Mas deixa eu te contar.
Há mais de dois anos eu morava nesta cidade e não conhecia ninguém, apenas o pessoal da fábrica de tecidos onde ainda trabalho. Minha rotina era sair do serviço e ir pra casa assistir TV. Só na quarta eu me divertia assistindo futebol. Chegava o final de semana e a única coisa que mudava era não ter que ir trabalhar. Passava no mercado e comprava cervejas e macarrão. Eu só sei fazer macarrão. É prático. Lá na quitinete onde eu morava os vizinhos ficavam doidos. No domingo, quando acordava, ligava na rádio FM e sempre tinha um samba bom pra ouvir. Eu aumentava o volume no último enquanto preparava o macarrão. Fazia um molho bem gostoso com queijo, creme de leite e bacon. Eu adoro bacon. Ficava uma delícia e eu comia tudim. Dava pro almoço e janta.
Na quitinete 103, que era ao lado da minha, tinha uma moça que fazia programa, sabe? Aquelas que chamam de prostitutas. A Dona Rosa que me falou. Dona Rosa morava no 101. Ela me disse que não conseguia dormir à noite porque a moça gritava muito. Eu não ouvia nada. Tenho sono pesado. E também porque eu ia deitar cedo. Dona Rosa também falava muito do vizinho do 112 que era estudante e vivia fazendo bagunça. Ela era a síndica do condomínio e na verdade sabia da vida de todo mundo. Inclusive da minha. Acho que sabia até quanto eu ganhava.
A primeira vez que vi a garota do 103, eu estava estendendo a roupa no varal. Ela se chamava Vivian. Esse era o verdadeiro nome dela. Dona Rosa e os outros moradores conheciam ela como Kátia. Eu soube que ela se chamava Vivian através de uma correspondência que recebi em casa. Ela tinta vinte e seis anos, era magra e muito branca. Eu até acho bonito, as mulheres brancas, mas as magras não me interessam muito. Apesar de Vivian ser magra, eu achava ela muito linda. Usava umas roupas curtas e as pernas dela me deixavam louco. Cometi uma gafe na primeira vez que falei com ela. Chamei ela de Vivian. Ela olhou pra mim, assustada, e disse um oi sem graça. Só depois que eu fui perceber o erro que havia cometido. Tinha que ter chamado de Kátia. O nome que todos chamavam ela ali, no condomínio. Mas o bom disso foi que Vivian veio falar comigo no outro dia. Ela me perguntou como é que eu sabia o verdadeiro nome dela. Antes, primeiro, convidei ela pra entrar e servi um café com bolachinhas de sal. Eu sempre ofereço bolachinhas de sal para as visitas. Expliquei para Vivian como é que eu sabia do seu segredo e ficamos ali conversando sobre um monte de coisas. Falei de onde eu vim e também onde eu trabalhava. Ela me contou um pouco da sua vida e eu, mais, da minha. Ficamos surpresos com o caminho do destino da gente. Viramos bons amigos. Às vezes Vivian me trazia bolo de cenoura, pão de queijo, doce de mamão, brigadeiro e outras coisas gostosas. Até então eu não tinha nenhum contato físico com ela.
Vivian me contou que veio pra cá trabalhar de vendedora numa concessionária de veículos. Depois de um ano na empresa, ela foi mandada embora porque a concessionária veio à falência. Ela ficou endividada e teve que recorrer a esse trabalho, de prostituta. Ela anunciava o seu corpo no jornal e contava com bons clientes, financeiramente. Bancários, advogados, médicos, dentistas, fazendeiros, políticos, empresários, etc. Alguns, Vivian atendia em casa, mas apenas aqueles que eram realmente confiáveis. Ela me disse que apanhava muito e que tinha medo de ser prostituta e que queria cair fora daquela vida. Uma vez, bebendo vinho tinto suave na minha casa, eu beijei a boca dela e ela me disse que eu era um homem bom, trabalhador, e que, por mim, largaria a vida de prostituta. Fiquei meio confuso na hora, mas acabou acontecendo que mais tarde fui morar com ela. Mudamos de lá prum condomínio de dois quartos. Dois quartos porque Vivian queria ter um filho comigo. Eu não queria ter um filho e dizia que ainda não estava pronto. Apesar de eu temer sempre o passado de garota de programa, Vivian nunca me deu motivo pra desconfiar dela. Eu gostava muito dela. Aprendi a fazer pão de queijo e doce de mamão. Eu adorava doce de mamão e comia tudim. Vivian fumava e bebia. Eu só bebia, e moderadamente.
Passei a ir à igreja rezar por mim e Vivian, pra que eu não viesse a sofrer mais tarde. Estava pensando até em me casar com ela. Sempre quis casar. Não perdia uma missa do Padre Emanuel. Dia desses perguntei pro padre Emanuel se era pecado se casar com uma ex-prostituta. Ele arregalou os olhos e me disse firmemente preu ser feliz, que apenas o presente importava. Mas foi lá que eu conheci Judite. Uma mulher religiosa e de postura. Me separei da Vivian e casei com Judite. Vivian voltou a ser garota de programa. Depois eu nunca mais ouvi falar dela. Mesmo sem nunca ter me dado motivo, eu sempre desconfiei da Vivian, por ela ter sido garota de programa. E também não iria gostar de ouvir meus amigos falando por aí que sou casado com ex-prostituta. Eu confiava na Judite. Tivemos dois filhos. Um lindo casal. Judite ensinava todos os princípios religiosos pros nossos filhos em casa, enquanto eu trabalhava na fábrica de tecidos. Eu havia sido promovido e agora era encarregado do meu setor.
Mas comecei a sentir falta de algumas coisas de quando eu morava com a Vivian. Judite não gostava de sair e me obrigou a parar de beber. Também não sabia fazer pão de queijo e muito menos doce de mamão. Ela usava umas saias compridas e não tinha as pernas bonitas que Vivian tinha. No começo nós fazíamos amor uma vez por dia, pelo menos; agora, nem uma vez por mês eu faço amor com Judite. Conversando com um amigo no trabalho, ele disse preu não me preocupar, que o casamento tinha dessas fases ruins. Eu chegava do trabalho e ainda tinha que fazer comida, enquanto Judite assistia à novela. Não perdia um capítulo. Ela só lavava e passava as roupas. Não trabalhava. E ainda me pedia dinheiro pra ir ao salão de beleza ou pra comprar vestido novo pra ir à missa.
Eu já tava começando a ficar injuriado de tudo aquilo quando cheguei do serviço, numa tarde, cansado. Judite fez massagens nos meus pés e depois preparou um cuscuz com arroz branco e uma bisteca de porco que ficou uma delícia. Nunca soube que Judite sabia fazer um cuscuz tão maravilhoso como aquele. Ela me disse que aprendeu num programa de culinária. Depois de ter comido tudim aquela abençoada refeição, Judite quis falar comigo. Ela falou que todas as amigas copiavam ótimas receitas da internet, e que queria também um computador pra preparar deliciosas comidas pra mim. Vendo Judite disposta daquele jeito, toda carinhosa e dedicada como ela estava sendo, fui a uma dessas lojas de informática e comprei um lindo computador pra ela. Judite virou uma mulher mais moderna, alegre e feliz. Eu chegava do serviço e ela estava na frente do computador mexendo naquele monte de botões. A televisão passou a ser todinha minha. Eu assistia futebol e os programas esportivos que eu adorava tanto. Meus dois filhos brigavam com a mãe pra ver quem iria usar aquela máquina tão desejada por eles. Mesmo com Judite mais feliz, eu não conseguia fazer amor com ela mais de uma vez por semana. Estava começando a ficar preocupado se eu tinha feito a coisa certa, ter dado aquele troço pra eles.
Fui convocado prum curso na matriz da fábrica de tecidos, na capital, e fiquei por lá uma semana, morrendo de saudade da Judite. E prometi pra mim mesmo, que, quando voltasse, teria uma conversa muito importante com ela. Mas quando voltei não havia mais ninguém na casa. Tinha apenas um bilhete, escrito por Judite na porta da geladeira. Quase chorei quando acabei de ler. Ela disse que tinha encontrado o homem da sua vida pela internet, e não era preu ir atrás dela, que ela queria ser feliz.
Abri a geladeira e peguei o doce de mamão que eu mesmo fiz. Depois, fui até a sala e liguei a TV num canal local que passava jogos da segunda divisão. Olhei pro computador e lembrei que tinha mais oito prestações pra pagar. Se eu fosse me casar outra vez seria com uma prostituta.
E que soubesse fazer um doce de mamão melhor que o meu!