Assassinaram o pensamento

E teve um inquérito. A priori puseram a culpa no Estado, devido a sua ineficiência na gestão pública. Afirmaram ser inconstitucional o descaso à educação, à moralidade, aos princípios soberanos que regem a democracia e o bem estar social. A acusação teve apoio popular, cansado o povo queria punição, todos os anos da má gestão do governo seriam levados em conta para amplificar a pena daqueles que agora estavam no poder. E instalou-se um julgamento. Mas o réu, o governo, logo recorreu e pôs a culpa na mídia, que todos os dias bombardeia a sociedade com desinformação, induz ao consumo desenfreado, manipula opiniões e desafia a capacidade dos telespectadores com sensacionalismo barato. O povo balançou, mas não caiu. Logo percebeu que realmente estava sendo contaminado pela ignorância teletransmitida continuamente, pelos slogans cheios de frase de efeito, pela sede alienada. A população mais um vez se voltou contra os novos reais criminosos: Os veículos de comunicação.

Em resposta, e em ultima instância, a mídia pôs a culpa no próprio povo. Nos pais que não zelavam pela educação dos filhos. Nos filhos que não respeitavam as diretrizes impostas pelos pais. Em todos que elegiam seus pseudo-líderes, que eram coniventes com políticas atrasadas e tantos impostos. Àqueles que pareciam alheios aos problemas com a saúde, o desemprego, segurança. Denunciaram inclusive, que a população era quem moldava a mídia. Mostraram números e estatísticas, registros de ibope os quais demonstravam o desinteresse da sociedade por uma programação didática. Ao vivo, à cores e em imagens fantasticamente digitalizadas, era transmitido o sucateamento nas escolas, universidades, na arte, na cultura. Nunca tinham sido tão intensamente retratadas as evidências da auto flagelação da humanidade.

O povo mais uma vez balançou, agora muito mais do que antes. Os argumentos contra sua culpa eram consistentes. Não tiveram força nem capacidade para contra-argumentar, não estavam acostumados a se defender. Por motivos óbvios, o processo foi arquivado. Os anos passaram, o crime prescreveu e, faz muito tempo, muito mesmo, que não ouço nenhum comentário sobre o ocorrido.