Oi, mana,

Como estão todos aí? A mãe e o pai vão bem? Aqui tudo mais ou menos. Eu estou é pensando em voltar. Às vezes parece que estou fora do mundo. As coisas são muito buliçosas demais e tudo acontece com tanta ligeireza que a gente passa e nem vê que passou.

Estou incomodada demais com as amigas que arranjei aqui. Nem a Tuquinha que eu conhecia, conheço mais. Só de prosa de roupa, de baile, de homem. De homem, então, você precisa ver. É isso, então. Para falar verdade, não gosto dos homens de que elas gostam. Homem que serve para vender cueca só tem corpo. Elas ficam babando olhando os cartazes da rua. Eu não. Eu gosto de outro tipo de homem. Não me incomoda essa coisa de corpo, de cara. Outro dia até cor elas estavam dando para os homens. Homem tem que ser vermelho, roxo, laranja, sei lá. Achei engraçado e pensei na cor do meu. Eu gosto de homem azul claro. Quado falei isso elas caíram na gargalhada. Aí quem ficou vermelha, roxa e laranja fui eu.

Pode ser que seja isso o que as meninas riem de mim. Boba, elas me chamam de boba, de velha, de antiquada, roceira e sei lá mais o quê. Mas eu ainda quero um homem azul claro. Não quero desmanchar em cima de ninguém, como elas falam. Pensando sozinha, eu quero mesmo é ser desmanchada antes de me deitar. Não sei que mal há nisso. Quero que meu homem pense que estou nua antes de me tirar a roupa. Senão nem acho graça! O que não é fácil não. É coisa para homem. E também tem que saber a hora de fazer uma coisa e outra. Elas dizem que isso não existe. Será?

Isso é uma coisa que também fico pensando. Tem horas que elas falam de um jeito que parece mais discurso de homem do que de mulher. Porque homem tem que ser ferro e fogo. Se não for assim, é... Eu nem gosto de falar. Eu não acho. Homem tem que ser também doce. Doçura de homem é ser homem, com natureza de homem. Ter a delicadeza de se perfumar, de escovar os dentes, de acarinhar, de apreciar o tempero, de chamar de bonita, reparar na roupa nova. Essas coisas.Fico pensando tempos, tanto que me enchem a cabeça.

Fico pensando naquele zinho lá que me fez perder horas de sono e de boa vontade. Para quê? Tanto me desfiz das coisas que queria, das coisas de que gostava. Fui ficando encurralada, fininha, fininha, de minhas vontades, que às vezes eu pensava que ia sumir. Ia voar feito uma barra de sabão espremida. Só via tabuleiro e prato, para agradar. Fiquei tão ninguém que nem ele me via mais.

Ficou com uma amiga minha. Também, nem liguei. Eu que nem respirava mais dei foi de ombros. Você lembra? Achei até estranho quando comecei a ver o mundo de novo. Parecia que eu tinha ficado tempos e tempos dormindo. Ele era assim cheio de macheza, de boniteza. Vermelho, ferro e fogo. Se pusesse num cartaz de propaganda era capaz de vender até enxugador para gelo. Que adiantava ter homem que só olhava para as outras? Quando sozinho comigo, hum?, só tinha pressa de cama. Depois eu fui vendo que podia ser diferente. Quando foi, foi tarde.

Estou sozinha, porque homem azul claro está para acabar. Como se diz dos bichos, está em extinção. Não por caça, porque quem acha não mata: esconde e bem escondido. Difícil de achar! Quando estava para vir embora conheci o Renatinho. Você tem visto ele, mana? Se tivesse ficado aí, talvez ficasse junto. Queria vir comigo. Eu não quis não.

A Tuquinha parece que fica com vergonha de sair comigo. Já que a gente tem mais intimidade, ela é a que mais me desaprova. Quer mandar no meu gosto, na minha maneira de tudo: de vestir, de andar, de falar. Não pensa nadinha, só em aproveitar a vida. Eu já penso que não tem proveito nenhum sair cada dia com um homem. Um dia é tão pouco que a gente acaba nem aproveitando nada dele. Por isso que eu falo que não gosto dos rapazes que ela me apresenta. Eles devem ser tão ruins que no dia seguinte já não presta mais. Tem que ser outro. Ou, aí ela ficou brava quanto eu falei isso, ela é que não presta. Aí eles vão procurar outra. Ela fala que é assim mesmo. Que não se trata de prestar ou não prestar. Ela quer mesmo é ficar com um e com outro, sem compromisso. Que essa coisa de compromisso é de gente da roça, de lugar pequeno onde tem muita fofoca.

Outro dia eu fiquei contando nos dedos quantos namorados ela teve desde que cheguei aqui. E foi para mais de dez. Acho que além de vermelho, ela gosta também de homem rápido. Estou rindo, mas se falar isso com ela aposto que vai ter briga. Com a gente o gosto é tudo contrário mesmo. Ela gosta de ventania, eu gosto da calmaria; ela gosta da força e eu, da fraqueza. Ela gosta mais de sexo; eu gosto mais de amor. Adianta não. Se parar para pensar, uma coisa é certa: homem não se discute.

Mana, dá aí um grande abraço e um beijo em todos. No Natal é certo de ir. Antes eu não sei se vai dar. Diz para a mãe, para o pai e para a vó que aqui está tudo bem, sim?
Fica com Deus!

De sua mana distante, que lhe adora.
Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 28/08/2010
Reeditado em 12/07/2011
Código do texto: T2464410
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