Certos dias
Certos dias
Não faz muito tempo descobriu que não é feliz. Mas quem havia de dizer-lhe que a felicidade existe? A felicidade era apenas uma luz rápida que passava por ela, nas horas em que lia. E os livros mostravam bem o que eram os sonhos...
João morava na casa vizinha. A casa vizinha era “um mundo curioso”. Dias, João abria a janela, ele parecia tão diferente dos demais homens! Por quê? Hum, ela o amava! E quando ele surgia à janela, até o sol tinha uma nova cor. Tudo parecia com o amarelo do ipê que agora floria na entrada da casa dela. Nessas ocasiões, via-se mais o sorriso dela que os raios do sol.
E ela sentia aquele homem até quando a janela da casa vizinha era fechada em dias de chuva. A silhueta dele escrevendo à mesa, os olhos por vezes baixos, outras como se enxergasse algo através da janela, sempre como se ele andasse com vontade de fazer algo e não se decidia. Recuava um pouco pensativa, com medo de ele a notar numa observação contemplativa de mulher que ama desarmada de reciprocidade.
Então, um dia, uns carregadores começaram a retirar os móveis. E passaram os olhos dela a serem levados com os espelhos, colchões, mesas, cadeiras da casa vizinha e, sem mais nada para olhar, ela fechou a janela da sala.
À tarde, estava no sofá. Sentada, ela fica ali, pensativa e sozinha, vendo as paredes desbotadas do azul. À sua frente, uma mesa na cozinha, uma xícara com resto de café frio... e o som de uma torneira pingando na pia. Não há outro som na casa.
De repente, a campainha toca. Tem uma espécie de sobressalto. O corpo fica paralisado, momentaneamente, sem saber o que fazer. Então, vai até a porta e a abre.
Nas mãos do carteiro a conta da luz.
A mulher deixa passar a impressão de que esperava algo mais. Volta a se sentar na sala vazia, com o papel nas mãos, sem o ler.
Minutos depois parece que escureceu. O sino da igreja convida à ave-maria. E, como se estivesse na igreja, ela faz o sinal da cruz.