Chamego, Rapadura & Forró

O luar dava forma à imensidão do sertão revelando e escondendo a vegetação seca e esparsa, as pedras quais vultos que observavam caladas e a estrada de chão batido que só sabia brilhar e perder-se no horizonte. E os dois amigos, abraçados, caminhando trôpegos e barulhentos.

- Hoje eu sou o ómi mais filiz do mundo, Quinzinho! – e apontou uma garrafa na frente do rosto do outro – segura a pinga que euvô ali mijá um poquinho.

- Glub, i pruquê, glub, dessa aligria, glub, toda?

- Ara, só me fala uma coisa, Quinzinho, num foi a maior festança que tu já viu na vida não?

- Ah, isho foi. (arrôto)

- Pois então, festa como essa vai entra pra história da região, us mininu de hoje quando fô véi vai tudo conta pros mininu que nem nasceu ainda como foi porreta a gafieira dessa noite enluarada, deixanu ess tudo murrenu dinveja.

- Mas pru modiquê vosmicê, glub, gosthou tantho assim da festha, Titonho?

- Ara, i ocê num tava lá não pra vê tudo que si assussedeu di bom? Pra começá, eu nunca na vida tinha visto tanta banda boa de forró, Quinzinho. Tinha aquele tar de Elvispreslêi da Silva, que veio lá das banda do norte, com aquela dança de quebrá as cadeiras. Eu mesmo vi ele quebranu umas três. U ómi tava impossíver. Depois que tiraram os pedaços das cadeiras entrou outras banda retada que custuma tocá lá pra dispois do laguinho, os tar de Besouros. Vish maínha, eu quais fiquei tonto de tanto arrodá cantando Ah o ano a rolha o rééééé, ah o ano a rolha o rééééé. E pra fechá cum chave di ôro veio o Rolinho Uínston e satisfez todo mundo com as múrsica do pangaré brabu, a do trato cum o cramunhão, a do…

- Tithonho, ic, essa úrtima aí eu num gostei não, ic.

- Ara, isso é pruquê você é beato e só pensa em inchê a pança i isquece di dançá cas moça bunita.

- Mas é qui as raphadura tava da gota serena, Tithonho. Vai dizê quioscê num deush uma ixperimentadhinha nelas tamém?

- Ara, craru qui eu comi as rapadura da dona Maria Joana. Eu precisei, num foi? Tive de adoçá o bico e criá corage pra chamá a filha do seu Neno pra dançá. Ô mulé qui mi deixa cas perna bamba, sô! Foi só dispois de uns cinco pedaço é que foi crescenu a coragem lá no meu istomo, crescenu i crescenu até qui quando eu vi já tava na frente dela.

- I disphois, ic?

- I dispois qui eu dancei agarradinho com ela até o pai dela separá nóis pra modimbora. Ê lasquêra. É por isso, Quinzim, que eu digo que festança como essa nunca teve antes por estas banda. Posso até dizê que todas as ôtra festa que aparecerem daqui pra frente vão imitar essa di hoje. Espera só procê vê.

- Tithonho…

- Diga, Quinzinho.

- Será que existhe nesse mundão de Deus coisa melhor que chamego, rapadura e forró?

- Ói, se existe eu não sei não, mas se existir com certeza devem ter levado daqui. I passa pra cá essa garrafa que eu vô esvaziá o resto da mardita antes quiocê beba ela toda sozim.

(texto escrito originalmente em 16.08.2010 no blogue www.jefferson.blog.br)