Um pote cheio, um prato vazio, o açucareiro destapado, um vai e vem até a garrafa de café, os pensamentos rolando sobre tudo naquela tarde de domingo, que poderia ser de amor, mas que se desenrolou entre os fios escorregadios das incertezas.
Incertezas? Não. A descrença em um último instante, a incredulidade no extremo do segundo, que depois, nada. A teimosia do esperar, a obstinação pela descontinuidade. Não havia pedaços, nada de episódios ou sequências enumeradas ao longo dos anos. Buscava por uma fenda, uma rachadura por onde pudesse ter escorrido... Escorrido o quê?
Ela sim escorria, faltava em carne e osso. Mal sustentava-se nos passeios invariáveis entre cama, banheiro e cozinha. As unhas sujas, o avental queimado, os cabelos eriçados, o cheiro do cigarro e do vinho azedando os dias e as noites mal dormidas. E tinha o cheiro da cebola e do alho pelos ares da casa, manando das panelas frias sobre o fogão.
Tudo sem pressa. Tudo borboleteando na ausência de oxigênio, ao dispor das moscas, sobre os pedaços de pão dormido açacalados pela poeira do calor pachorrento e pela pele ressequida da mesma pergunta inútil, a balançar no movimento de negação da cabeça, única peça naquele corpo, que se movia com obstinação.
Uns manacás de cheiro tombam secos à porta da sala. As jiboias das janelas adentram ramas novas no rendado das cortinas, sem saber que aos poucos a sede esturricará seus galhos e sufocará suas raízes na borra de terra empedrada. Também lá fora, tudo sem pressa. Tudo pendurado na linha cozida do tempo que, apesar de frágil, se sustentava, incompreensivelmente.
O olhar longe não percebe os amarelos tons do capim a cobrir os caminhos, nem a horta marrom, nem o céu claro sem prenúncio de chuvas. Nada mais, senão fantasmas, percebe aquele olhar longe.
Ainda e só o que resiste é a esperança, singela e tão rústica quanto a cadeira de balanço vazia, de um dia entender.