Ana Ruth e seu mefistofélico marido
Ana Ruth foi ícone da minha geração de meninas sonhadoras e casadoiras. Ana Ruth era uma mulher marcante, muito linda, inteligente, loira natural e olhos azuis, seus cabelos eram matizados em uma época que todas usavam uma tonalidade uniforme, sua maquiagem era perfeita, não se preocupava em destacas os olhos azuis e sim o rosto como um todo. Não era alta, era do tipo mignon e suas roupas de festa eram um caso a parte. Só usava tonalidades fortes, roxo, vermelho, beringela, uva, etc. Nos bailes da vida todos ficavam suspirando. Nossa meta era casar e fazer parte do rol de suas amizades, aliás um grupo seletíssimo, onde todos que estivessem de fora queriam entrar e quem estava dentro não queria sair. Na época em que conheci dona Ruth ela já estava casada a mais ou menos uns dez anos o que me leva a crer que entre ela e eu havia uma diferença de dez anos, mais ou menos, pois nesta época a minha turma contava quinze anos, mais ou menos. Foi a época dos planos para o futuro, casar e ser feliz! Ana Ruth representava bem este sonho, era bem casada, com dois filhos lindos, amava e era amada. Minhas amigas costumavam brincar e apostar que a primeira que conseguiria fazer parte daquele grupo seleto teria a responsabilidade de entronisar as companheiras no grupo. Nos bailes o casal dava um show; eles costumavam dançar a noite inteira e parecia a dança do acasalamento. O marido enlaçava Ana Ruth que ao contrário das senhoras da época não segurava o ombro do marido como era costume. Ela segurava a nuca e se apoiava languida no seu peito com as pernas entrelaçadas. E nós suspirando e maldizendo a vida por ter que esperar um longo tempo até chegar a nossa vez de pegar no cangote do outro. Ah que inveja! Minha turma foi namorando e casando e ninguém chegou perto dos domínios de Ana Ruth e seu amado marido. E também ninguém teve coragem de dançar segurando o cangote do doutro. Isso só para Ana Ruth. O curioso é que não me lembro nitidamente do seu rosto, mas não esqueci o seu jeito de acariciar o marido. Seus dedos magros e longos entrando pelo colarinho do amado. Penso que enquanto eles dançavam ela tinha orgasmos de satisfação. Pois alguns anos depois eu já estava casada e soube que Ana Ruth estava desaparecida dos bailes da vida. Segundo a fonte que me informou, Ana Ruth se envolveu com o jardineiro da família, o seu amado marido não gostou da situação e como era macho não encomendou o crime, mas o pior, cometeu o crime, matou o amante de sua mulher, um rapaz de vinte e cinco anos e quando os familiares do falecido começaram a incomodar, ele pagou a família do falecido para mudar de Estado e a adúltera foi encaminhada para um hospital psiquiátrico onde permaneceu enquanto foi conveniente para seu ilustre marido. Como todos os envolvidos eram pessoas respeitáveis,ficou o dito pelo não dito. Algum tempo depois Ana Ruth voltou para a cidade onde foi recebida sem perguntas pelos seus amigos festeiros. Aquele grupo sempre esteve acima do bem e do mal... Ana Ruth continuou enfeitando os bailes da vida, mas já não dançava segurando na nuca do marido e nem se aninhava no seu peito, mas procurou segurar as aparências. Seu olhar era revelador, sabe Deus o que ela passou nas mãos do amado marido... Ouvi dizer que ele tiranizava a mulher e que ela só voltou para sua companhia porque não aquentava viver longe dos dois filhos. Ana Ruth foi da geração de mulheres que os senhores maridos escolhiam para serem exibidas a sociedade. Elas eram o parâmetro de avaliação social. Moças de boa família, bonitas, educadas para não fazer feio, com diploma da Socila, que sabiam receber convidados, que traziam no seu baú de enxoval livros de decoração, culinária, boas maneiras e alguns romances de autoria de Balzac, Victor Hugo, Flaubert, Dumas, etc, encadernados em couro com seus nomes gravados a ouro. Moças assexuadas, de preferência parecidas com a mãe do seu amo e senhor, no sentido de castidade e tal qual a mulher de César. Não bastava serem honestas, mas o importante era aparentar a honestidade... Uma época em que a pior inimiga de uma mulher era a outra mulher. Pois foram mulheres como Ana Ruth que viram o advento da pílula anticoncepcional, leram A Mística Feminina de Betty Friedman, O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, sempre acompanhadas do Livro do Bebê do Dr, Reinaldo Delamare. Sonhavam com sexo de qualidade, freqüentavam a missa das dez sempre se penitenciando por terem lido o Cântico dos Cantos na bíblia e terem pensamentos eróticos. Erotismo estava fora de cogitação. Foi exatamente esta safra de mulheres mal resolvidas que pariu a leva de mulheres muito bem resolvidas que estão dominando o mercado de trabalho com tanto sucesso. As que doutoraram e ensinam são filhas das que aprenderam com a vida e tem independência financeira para fazer suas escolhas afetivas. Salve Ana Ruth.