Pregão

Entrei pela porta da casa sentindo o pesar de não apreciar aquela casa direito a um tempo. Deixei minhas coisas ao pé da porta como eu sempre fazia e caminhei até a cozinha que ficava, de forma extremamente desregular, no cômodo logo após a sala pequena. Não avistei ninguém. Procurei pela casa toda e com uma pressa de espírito senti um temor por que encontrar ninguém. Voltei a sala e ao lado da porta eu vi aquele chapéu.

Fora da casa, pela janela o vi chegando. Ele não me ouviu quando eu o chamei. Ele continuou não ouvindo quando eu, mais uma vez, gritei seu nome. Aparentava de forma serene estar longe. De forma calma estar onde sua alma precisava estar. Onde ela requisitava todos os dias voltar. Ele não estava ali e passaria despercebido se fosse só mais um. Mas ele era outro. E só aquele que é o outro, nos mostra quem de verdade somos. Ele havia se tornado a poucos anos atrás o outro que me mostrava quem eu era.

Ele entrou pela porta, segurando uma sacola plástica rala e transparente que -acho eu- carregava pães e andou em minha direção. Viu que o chapéu que ele sempre usava -onde quer que ele fosse, não podia sair sem- estava pendurado logo atrás de mim. Ele notou a indagação imensa em meus olhos do porquê não estar com o chapéu, e despercebido notou que também indagava o mesmo. Tomou-me pela mão e me levou à sala. Sentei ao seu lado no sofá antigo que sua esposa havia comprado em um pregão a anos atrás -ela adorava coisas antigas, mesmo que a história deste houvesse morrido com seu anterior dono, ela gostava de fazer parte da lembrança quebrada daquele móvel, seja qual fosse-.

Tomamos café e ele me contou coisas repetidas que eu adoro ouvir. Me disse meio calmo e meio exaltado que hoje fazia três anos e notei sua base tremer.

E hoje realmente fazia. Fazia três anos que, saindo apressado de casa sem seu chapéu recebera a notícia que perdera o amor da sua vida. Fazia três anos que eu e ele não tínhamos o outro para mostrar quem nós éramos. Três anos que éramos só nós dois. O avô cheio de manias e o neto, se tornando o homem com as manias do avô.

A casa era menor sem ela lá. E cada ano que passava parecia diminuir. E ele amava a parte inteira dele que julgava ainda ser completa pela parte dela que se fora. Ele fazia a casa ser, a casa dela. Mesmo depois desses três anos que passara. Era mais dela do que dele. E seria assim até o dia em que eu, faria a casa ser, a casa deles dois de novo.

Débora Bueno
Enviado por Débora Bueno em 19/08/2010
Reeditado em 26/03/2013
Código do texto: T2447536
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